quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Pirra e Deucalião

Zeus estava espantado com o ódio instaurado entre a humanidade e decidiu exterminar a espécie humana, certo de que esta fora o maior erro que os deuses haviam cometido. Convocado o conselho dos deuses, todos obedeceram e tomaram o caminho do palácio do céu. Esse caminho pode ser visto no céu em todas as noites claras, a chamada Via Láctea. Ao longo dele se acreditavam estar os palácios dos deuses.

Dirigindo-se à assembleia reunida, Zeus expôs as terríveis condições que reinavam na Terra e anunciou que iria destruir todos os homens e criar uma nova raça que fosse mais digna de viver e que soubesse melhor cultuar os deuses. Pensou em destruir com seus raios, mas percebeu que também colocaria em perigo os próprios deuses. Então Zeus decidiu inundar a terra.

O vento norte que espalha as nuvens foi encadeado. O vento sul foi solto e em breve cobriu todo o céu com uma escuridão profunda. As nuvens, empurradas em bloco, romperam-se. Torrentes de chuva caíram. As plantações inundaram-se. Pediu ajuda ao seu irmão Posseidon e este soltou os rios e lançou-os sobre a Terra. Sacudia-a com terremotos lançando o refluxo dos oceanos sobre as praias. Rebanhos, animais, homens, casas e templos foram tragados pelas águas.

De todas as montanhas, apenas a do Parnaso conseguiu ficar acima das águas. Nele o barco de Deucalião - o mais justo dos homens - e Pirra - a mais virtuosa das mulheres - encontrou refúgio. Zeus viu que apenas eles haviam sobrevivido e cessou a tempestade. Poseidon retirou as suas águas.

Em segurança, Deucalião e Pirra dirigiram-se aos deuses para saber como poderiam repovoar a terra criando uma nova raça. Entraram no templo ainda coberto de lama e rogaram à deusa que os esclarecesse sobre a maneira de agir naquela situação. O oráculo respondeu: - Saiam do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para trás os ossos de vossa mãe - respondeu o oráculo.

Pirra ficou confusa com o que o oráculo disse. Deucalião pensou seriamente e chegou à conclusão de que se a Terra era a mãe comum de todos e as pedras seriam os seus ossos. Assim resolveram tentar. Velaram o rosto, afrouxaram as vestes, apanharam as pedras e atiraram-nas para trás. As pedras amoleceram e começaram a tomar forma humana. As pedras atiradas pelas mãos do homem tornaram-se homens e aquelas atiradas pelas mãos da mulher tornaram-se mulheres.


Textos complementares/ esclarecedores do mito

Deucalião foi um filho de Prometeu Climene (ou de Prometeu e Pronoea). Sua consorte era Pirra, filha de Epimeteu Pandora. Os dois foram os únicos humanos sobreviventes do dilúvio que deu fim à idade do bronze segundo a mitologia grega.

Mito
O fanatismo religioso havia levado Licaón, rei da Arcádia, a realizar sacrifícios humanos. Ele chegou ao ponto de sacrificar todos os estrangeiros que chegavam a sua casa, violando a sagrada lei da hospitalidade.

Desaprovando essas aberrações, Zeus, o deus dos deuses, fez-se passar por um peregrino e hospedou-se em seu palácio. Licaón preparou-se para sacrificá-lo, assim como havia feito com outros em nome de sua religiosidade. Mas antes mandou cozinhar a carne de um escravo e servir a Zeus. Enfurecido, o deus transformou Licaón em um lobo, e com um raio, incendiou o seu palácio que tinha sido testemunha de tanta crueldade.

Licaón era pai de inúmeros filhos, quase uns 50, tidos com muitas mulheres. Os filhos de Licaón eram tão cruéis quanto o pai e se tornaram famosos por sua insolência e seus crimes. Tão logo ficou sabendo das barbaridades dos filhos de Licaón, Zeus novamente se disfarçou de um velho mendigo e foi ao palácio dos Licaónidas para comprovar os rumores. Os jovens príncipes tiveram a ousadia de assassinar o próprio irmão Níctimo e servir suas entranhas ao hóspede, misturadas com entranhas de animais. Zeus descobriu a crueldade e, enfurecido, converteu todos em lobos e devolveu a vida a Níctimo que sucedeu seu pai no reino da Arcádia.

Enquanto isso, os homens, sem nem desconfiar do que os espera, dedicam-se a suas ocupações terrestres. Mas um deles, Deucalião, rei da cidade de Tia, visita seu pai, o titã Prometeu, que está ainda acorrentado em seu castigo na montanha do Cáucaso. Prometeu, que ama os seres humanos e sabe o que Zeus está projetando, avisa seu filho. Assim que volta para a cidade, Deucalião começa a construir um grande navio de madeira. Deucalião e sua esposa, Pirra, instalaram-se no barco e passaram a morar ali.

Deucalião e Pirra não queriam ser os únicos habitantes neste imenso mundo e desejaram ter o dom de seu antepassado Prometeu, para assim recriar a humanidade. Entraram num templo ainda meio destruído e rogaram a um oráculo para que os esclarecesse sobre a maneira de agir naquela situação. O oráculo respondeu:
"Saiam do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para trás os ossos de vossa mãe".

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Madame De Warens - Jean-Jacques Rousseau



Pode ler-se sobre Jean-Jacques Rousseau - “…Madame Warens, que foi para ele ao mesmo tempo mãe, amiga e amante, exerceu uma influência decisiva na sua vida. Na sua estadia na casa desta senhora, Aux Charettes, nas cercanias de Chambéry, pôde ler e instruir-se, passando aí os únicos anos felizes de sua vida…”
Pág.280 História da Filosofia, Nicola Abbagnano, volume VII.
Intrigada sobre o papel desta mulher na vida deste homem, fiz uma pesquisa e constatei a existência de mais uma mulher instruída, empreendedora e inteligente, votada a um papel secundário, invisível e mesmo a uma conduta duvidosa.
Pode ler-se sobre Madame de Warens:
"Madame de Warens é algo mais do que um mero objeto de estudo psicológico, que poderíamos exercer com mais proveito perto de casa. Ela é a única pessoa que pode afirmar ser a professora do homem que foi ele próprio o maior professor do seu século. Quando ele foi até ela, ele era um aprendiz vagabundo em quem ninguém via nada de bom. Ela o criou, socorreu-o, cuidou dele, cercou-o com sua influência consciente e inconsciente; ela foi a única educação que ele recebeu. Quando a deixou, ele não era mais o inútil aprendiz de gravador, mas o mestre supremo de todas as artes que evocam com mais força os ideais e emoções da humanidade. E, como bem foi dito, a idade de ouro que Rousseau desejava trazer de volta à terra era simplesmente uma generalização da vida que ele próprio viveu em Les Charmettes. Podemos ou não abrir agora seus livros. Para a maioria das pessoas, apenas as “Confissões” imortais permanecem. No entanto, Rousseau uma vez moveu o mundo e, quer saibamos disso ou não, a sua influência vive em nós. Quando o crítico curioso recorre a inúmeras respostas dentre nossos sentimentos e crenças atuais e procura decifrar a imagem apagada e a inscrição, é o aluno de Madame de Warens que ele encontra."
Ana Ferreira Martins

domingo, 24 de dezembro de 2023

O Espírito de Natal

 O Espírito de Natal

Que celebração do espírito de natal é esta, que a história real ou romantizada, que está envolta no contrário que a anima?
No palco da hipocrisia religiosa, ou melhor, judaico-cristã, onde se deve sentir Paz e Amor, vê-se ódio e sangue de inocentes espalhados no palco real e virtual das nossas vidas. Toda esta época dita natalícia, é embrulhada no papel da vergonha por seres humanos, que na impossibilidade de se ultrapassarem na sua dimensão sombria e maléfica, reiteram à sombra de falsas premissas religiosas que manipulam desde sempre a humanidade conduzindo-a para formas de ser e de estar vergonhosamente violentas.
A ficção ultrapassa a realidade, como se pode realmente de forma consciente celebrar através de actos claramente alienados e mecanizados uma data religiosa, que simboliza a paz, o amor, a harmonia, a solidariedade, a vida, se neste mesmo momento, almas em corpos humanos choram a perca de entes queridos, mortos por uma guerra secular, entre povos crentes, que como todas as guerras só provocam sofrimento atroz e bárbaro que em nada dignificam o ser humano, que se pretende desenvolvido nas suas melhores dimensões, que inegavelmente as tem.
Está cada vez mais difícil para o comum dos mortais, compactuar com a hipocrisia dos líderes que promovem e compactuam de forma mais ou menos evidente com estes dramas humanos, que em nada dignificam ou celebram o amor, a justiça, o respeito, a aceitação, a flexibilidade, e o conforto de nos sentirmos acolhidos nesta terra, que é de todos e que os animais irracionais, territoriais, a querem só para eles!
Como gostaria de poder celebrar com toda a humanidade as dimensões criativas e respeitosamente dignas que uma grande parte de nós humanos temos e conseguimos manifestar no quotidiano das nossas ações e palavras. Essa grande dignidade que os seres humanos são capazes de expressar!...É com esta esperança, que nunca me abandona e caracteriza, que me visto nestes dias e em todos os outros que passaram e que estão para vir.
Lembremo-nos dos nossos irmãos e irmãs que por todo o mundo sofrem sem terem nada nem ninguém que lhes estenda um olhar, uma mão, um pão, um copo de água limpa.
Vamos celebrar de uma forma consciente e solidária esta época natalícia. Desejo a quem Lê este desabafo uns dias de saudável reflexão e partilha.