Hora Da Estrela - Clarice Lispector





A  Hora da Estrela                     
CLARICE LISPECTOR





"Fear" - painted by Clarice
Ana Maria Ferreira Martins


INDICE Pág.
Notas Prévias……………………………………………………….. 3
Breve Biografia…………………………………………………...…5
Análise da Narrativa…………………………………………….....7
Personagens……………………………………………………..11
A protagonista “Morte”….……………………………………….12
Conclusão……………………………………………………….....15
Bibliografia ………………………….....……………………….…16

Notas Prévias
Este trabalho decorre da leitura da “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector e da visualização do filme, editado para o cinema nos anos 80, por Suzana Amaral, que tem por base a obra em análise.


Tendo primeiro lido o livro e, umas semanas mais tarde, visto o filme, a sensação que me ficou aquando da visualização atenta e analítica do filme, foi a de que estava a reviver passagens do livro “A Hora da Estrela” que tinha lido. Aos poucos, o filme fez-me ter presente muitas das passagens que, no decorrer destas semanas, se me tinham “varrido” da memória.


Pretendo fazer uma breve abordagem analítica à narrativa obra em geral e ao mesmo tempo aprofundar a personagem “morte” no contexto da obra.

A atriz principal do filme “a Hora da Estrela”, que interpreta a personagem de Macabéa,
encarna sem dúvida, a alma e o corpo da Macabéa que o livro descreve, ambas são a mesma.

Parece que houve uma intenção nítida e a preocupação por parte do realizador, de criar uma simbiose quase total e fiel entre a imagem que Clarice Lispector nos quis dar da personagem literária e quem a representa no filme. Uma personagem incrivelmente rica
de “tão pouco”.

De tão pouco, se transmite tanto!!. Na personagem de Macabéa existe qualquer coisa que, numa primeira abordagem, poderíamos entender como ingenuidade, mas que, numa análise mais profunda da personagem, paradoxalmente nos faz sentir uma certa malícia. Dificilmente, e apesar de o narrador várias vezes mostrar desprezo pela tamanha insignificância da vida e da pessoa de Macabéa, se pode falar em simplicidade ou pobreza de intensidade psicológica, pois a complexidade dos afectos e das relações que Macabéa estabelece é de uma profundeza extrema e complexa. Torna-se um ser único, diferente da maior parte de todas as mulheres.

O sentimento de vergonha (será vergonha?!), quando ela se veste debaixo dos lençóis para esconder a sua nudez das companheiras de quarto, ou será a necessidade que Macabéa tem de obedecer a uma directriz, a um ensinamento que sua tia, que já morreu, lhe passou, na ilusão de que, mesmo profundamente só, existem pontos de socialização no passado que continuam presentes e que ela faz questão em mostrar às companheiras que os tem?

Macabéa é uma personagem apaixonante. Se não tivesse morrido da forma trágica com que Clarice a premiou, interrogamo-nos em que se tornaria aquela jovem. A sua socialização seria possível? Ou ela continuaria uma espécie de ser autista e antissocial em permanente luta consigo própria para se fazer notar pelo exterior (pintava as unhas de vermelho e comprou um batom de cor viva, sinais de que para ela era importante ser notada). Ela estava viva. Era urgente mostrar que existia, que tinha cor. Sobretudo era importante que todos, inclusive o narrador percebessem que ela ainda não estava morta.

Quando paga para que seu namorado lhe faça um telefonema para o escritório, ela queria mostrar à sua colega que também era importante, que também havia homens que lhe telefonavam, assim como o faziam a ela.

Macabéa, representa o seu mundo interior. Representa um ser de sexo feminino, muito real. Ela corresponde segundo o narrador, a um certo estereótipo de mulheres da sua época, um estereótipo que Macabéa não suporta.

Toda a obra é percorrida por alusões muito concretas à morte, sabe-mos de forma inconsciente que tão pouco de tudo não poderá acabar com vida.

Não existe suficiente energia vital no corpo e na alma de Macabéa, para que se mantenha viva. O Narrador (masculino) e a autora (feminino) fazem questão que Macabéa não respire profundamente e nunca encha o peito pleno de ar, só lhe dão um sopro de vida, o necessário para que ela tenha forças para ir á vidente e para que o seu destino seja traçado. Talvez a vidente estivesse certa, mas o narrador ou/e a autora ou talvez a própria Macabéa não quisessem Vida, mas sim o descanso e a liberdade da morte.

“Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte” Pág. 76

Interrogo-me se no final não terá sido a própria Macabéa a provocar a sua morte. Macabéa não era tonta como parece, no fundo ela sabia que era impossível concretizar-se os vaticínios da cartomante, mas morrer por morrer porque não morrer enlevada no sonho que a cartomante lhe vendera? Terá sido um acidente? Terá Macabéa posto o pé na estrada sem ter visto o carro e o homem louro que vinha lá dentro? Macabéa “estava grávida de futuro”, mas acreditava ela nesse futuro?

A tríade, personagem principal, narrador e autora, mostram na sua intenção, mais força do que as mentiras da cartomante. Neste momento da “Hora da Estrela”, os três queriam e desejavam a mesma coisa, uma morte de sonho. A felicidade eterna.

Breve Biografia

Clarice Lispector nasceu em Ichelnik, Ucrânia, a 10 de Dezembro de 1925. Com apenas dois meses de idade veio com os seus pais para o Brasil. Foi em Pernambuco que passou a maior parte da sua meninice.

Com 9 anos de idade ficou órfã de mãe. A leitura desde muito cedo representava para Clarice uma atracção, lia muitos livros mas não percebia que existiam autores, quando o descobriu ficou surpresa e sentiu dentro de si a necessidade de ser também ela autora.

Por volta dos sete anos já escrevia os seus primeiros textos e aos nove anos entrou para o “Ginásio” em Pernambuco.

Em 1937, já com 15 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, residindo na Tijuca, estudando no Colégio Silvio Leite. Em 1941, iniciou seus estudos de Direito na Faculdade Nacional.

Em 1940 falece seu pai e em 1944 formou-se em Direito. Enquanto estudava, trabalhava à noite como redactora. Nesse mesmo ano escreveu e publicou seu primeiro romance: "Perto do Coração Selvagem". Com esta obra Clarice ganhou o Prémio Graça Aranha. Na altura com 19 anos, não lhe foi fácil fazer editar o livro, este foi recusado por várias editoras.

Casou-se em 1944 com um diplomata Brasileiro, tendo-o acompanhado por vários países da Europa: Espanha, França, Itália e Estados Unidos.

Em Nápoles, começa a escrever a obra o Lustre, publicando-o em 1946.

Cansada de tanto viajar, e sem ter grande entusiasmo em conhecer o mundo Clarice divorciou-se e volta ao Rio de Janeiro com os seus dois filhos, onde acaba os seus dias.

Depois do Divórcio, Clarice retorna ao jornalismo. Escreve contos para a revista Senhor, torna-se colunista do Correio da Manhã, em 1959, e, no ano seguinte, começa a assinar a coluna Só para Mulheres, como "ghost writer" da actriz Ilka Soares no Diário da Noite.

Em 1967, por ter dormido com um cigarro aceso (fumava compulsivamente), o seu quarto incendiou-se, sofreu queimaduras na mão direita e nas pernas, esteve três dias à beira da morte, recuperando-se após diversas cirurgias.

Em Novembro, de 1977, fez exames e constatou que estava com um cancro generalizado. No dia 9 de Dezembro do mesmo ano, faleceu, no Rio de Janeiro um dia antes de completar 57 anos.

Em 1977, concedeu uma entrevista à TV Cultura, com o compromisso de só ser transmitida após a sua morte. Ela antecipa a publicação de um novo livro, que viria a se chamar A Hora da Estrela, adaptado para o cinema dos anos 80 por Suzana Amaral.

Nos últimos anos de sua vida, Clarice dedicou-se à produção dos seus livros mais elaborados. A Hora da Estrela e Um Sopro de Vida. Em 1976, participou do Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogotá, Colômbia. A sua participação limitou-se à leitura do conto O Ovo e a Galinha.

Postumamente, foram publicados Um Sopro de Vida, Para Não Esquecer e A Bela e a Fera.

Análise Da Narrativa

Clarice Lispector optou por narrar a história de "A Hora da Estrela” pela voz de um homem, o Sr. Rodrigo. Esta decisão, faz-nos pensar em vários tipos de explicações: somente porque lhe apeteceu? Porque quis olhar para esta personagem feminina, de Macabéa através de uns olhos masculinos?, Porque foi uma forma de se distanciar da personagem principal e talvez de si própria?, ou pensou que não seria justo uma mulher avaliar outra mulher de forma tão cruel e piedosa como o narrador fez?

Parece que esta resposta ficará no ar, e cada um de nós encontrará a resposta que melhor julgar se ajustar à leitura pessoal que faz da obra.

Macabéa é uma jovem nordestina de 19 anos, que veio do Sertão de Alagoas para o Rio de Janeiro.

No filme a figura do narrador dilui-se e Macabéa fica ainda mais próxima da sua crua existência de fêmea à deriva.

O narrador obriga-nos a lidar com um vasto misto de sentimentos, se por um lado nutre uma profunda indiferença e mesmo desprezo por Macabéa, por outro, mostra-se preocupado em não lhe dar um fim trágico e em adiar a sua morte ao longo da obra, o que a dada altura, se torna visivelmente paradoxal.

A morte final, aparece-nos como algo inevitável, rápido, trágico, mas talvez levado pelo seu lado piedoso, o narrador faz Macabéa viver momentos de sonho e felicidade ao lado do seu príncipe encantado. No fundo o narrador, da realidade, que é a morte de Macabéa atropelada por um condutor um Mercedes, sobrepõe-lhe uma outra história, digna de um conto de fadas. O sonho que Macabéa quereria viver? Ou o narrador julgou que ela gostaria de ter vivido? Foi um sonho desejado por Macabéa ou imposto pela vontade do Narrador e ou mesmo pela autora Clarice?

Segundo o narrador, Macabéa tem uma vida igual a milhares de mulheres nordestinas que vivem no Rio de Janeiro, são mulheres sem história que não se diferenciam umas das outras, “substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam". São seres que não têm consciência da situação de miséria humana em que vivem.

Os pais de Macabéa morreram de "febre ruim" no Sertão de Alagoas, quando ela tinha apenas dois anos de idade. Foi criada por uma tia beata, muito dura, que chegava a ser má para Macabéa.

Depois da mudança de ambas para o rio de Janeiro a tia encontrou-lhe um emprego numa pequena firma.

Quando a tia morre, Macabéa teve que ir morar num quarto que divide com mais quatro raparigas, empregadas de balcão das "Lojas Americanas".

Segundo o narrador, Macabéa "só tinha o terceiro ano de primário" e era dactilógrafa.

Quer no livro, como no filme, faz-se alusão à sua profissão de dactilógrafa, acentuando-se o aspecto de ela não apresentar um trabalho limpo, é naturalmente desleixada e pouco cuidada na apresentação dos trabalhos.

Como Macabéa escrevia como falava, dava muitos erros, o patrão mostrou intenções de a despedir. Perante os sinceros pedidos de desculpas de Macabéa, este mostrava pena dela e não tinha coragem de a despedir.

Macabéa por vezes sentia saudades do cantar dos galos no Sertão. A vida na cidade para ela, como para tantos nordestinos, era dura, muitas vezes, com fome, mastigava um pedaço de papel pensando que era uma coxa de galinha. Pela fraqueza, física e espiritual, muitas vezes, acordava sem saber quem era, lembrando-se depois, “Sou dactilógrafa e virgem, e gosto de Coca-Cola.”.pág.39

Rodrigo diz que, ela "vivia em tanta mesmice que de noite não se lembrava do que acontecera de manhã".

As poucas extravagâncias que se conhecem a Macabéa passam por, tomar café frio; ir ao cinema uma vez por mês e pintar as unhas de vermelho. Uma vez até comprou um batom vermelho.

Paradoxalmente, e apesar da sua tia ser religiosa, Macabéa embora rezasse mecanicamente todas as noites, não acreditava em Deus, pois não o conhecia. Depois de sua tia morrer, numa atitude de uma certa independência e rebeldia deixou de ir à missa.

Às vezes, enquanto dormia, Macabéa sonhava com sexo, e mesmo tal sonho tendo sido bom, ela se sentia muito culpada, inconscientemente levada pelas das imposições morais e sociais que a tia lhe impôs.

“ Ou sonhava estranhamente em sexo, ela que de aparência era assexuada. Quando acordava se sentia culpada sem saber por quê, talvez porque o que é bom devia ser proibido. Culpada e contente.” Pág.38

Talvez um pouco revoltada com a rotina da sua vida, sem interesse, por comparação com da sua atrevida e vistosa colega de escritório, Macabéa decidiu num acto único de coragem mentir ao patrão dizendo que ia ao dentista, mas permitiu-se a dar uma volta pela zona, nesse mesmo dia encontrou um rapaz de nome Olímpico, que lhe perguntou o nome e numa atitude natural passearam os dois, trocando perguntas e respostas curtas, sem que existisse propriamente comunicação entre os dois.

“As poucas conversas …versavam sobre farinha, carne-de-sol, carne-seca, rapadura, melado.” Pág 51

O namorado de Macabéa era igualmente nordestino, sendo aparentemente esta a única coisa em comum entre os dois. Ele era um rapaz empreendedor e ambicioso, queria ser político, “_Sou muito inteligente, ainda vou ser deputado” pág. 50. A Macabéa não se lhe conhece qualquer tipo de projecto de vida.

Embora Olímpico não fosse propriamente uma simpatia de pessoa, ou de namorado, Macabéa, parecia muito orgulhosa consigo própria por ter um namorado, talvez por ver a sua colega de escritório sempre tão ocupada e envolvida com os seus homens. Olimpo fazia-a sentir importante e gente.

Quando a dada altura, durante um passeio Olímpico, que já tinha morto um homem e cometia pequenos furtos, querendo-lhe mostrar como era forte, levanta-a no ar, e por descuido, deixa-a cair no chão, ficando esta toda suja de lama. Macabéa diz-lhe para ele não se preocupar, que não tem importância.

Um dia Macabéa atrasa-se no escritório e pede à colega para se encontrar com Olímpico e dizer-lhe que ela estava atrasada. Este começa a interessar-se por Glória. Glória representava o tipo de mulher muito cobiçada por homens. Porte seguro, Loura e muito bem torneada.

Olímpico terminou tudo com Macabéa, dizendo que ela era um "cabelo na sopa". Ele pediu desculpa se a ofendeu, mas quem ele queria mesmo era Glória. Por ser "carioca da gema" e por outros motivos, Glória representava um meio através do qual Olímpico poderia conseguir ascensão social.

Finalizado o namoro, com Olímpico, Macabéa resolveu presentear-se a si própria. Ela comprou um batom vermelho. Ela era admiradora de Marylin Monroe, no escritório, pintou a boca para ficar parecida com sua ídola. Este foi o único momento em que Macabéa deixa transparecer um desejo de ser qualquer coisa, de estar ligada ao cinema.

A relação de Macabéa com Glória era simpática. Glória não tencionava magoar deliberadamente a colega, mas tudo indicava que Olímpico era o homem da sua vida. Depois de alguns desgostos amorosos, Glória decide ficar com Olímpico, embora consciente da perca afectiva que isso representava para Macabéa.

Na verdade, depois do término de seu namoro com Olímpico, Macabéa parecia ver em Glória sua única conexão com o mundo.

Glória, por se sentir culpada da situação em que Macabéa se encontra, decide emprestar-lhe dinheiro para ela ir a uma cartomante. Esta começa a falar-lhe sobre o seu passado. Madame Carlota, no início refere que a sua vida é tão má que nem quer o dinheiro da consulta. Mas, Macabéa fez questão de pagar. Aí parece que a cartomante mudou o seu comportamento e vaticinou um futuro de coisas boas. Disse-lhe, que a sua vida iria mudar para melhor e que ela (Macabéa) iria, naquele mesmo dia, conhecer um gringo muito rico, meio alourado, com o qual ela se iria casar.

A expressão "grávida de futuro", usada pelo narrador ilustra o estado psicológico em que Macabéa sai da cartomante. Nas nuvens, "Sentia em si uma esperança tão violenta como jamais sentia tamanho desespero". A esperança num futuro melhor encheu-a de uma desmesurada auto-estima e enlevada por este sentimento de bem estar e segurança, ao atravessar a rua, Macabéa é atropelada por um luxuoso Mercedes Benz. Nesse momento, muitas pessoas se aglomeraram em torno de Macabéa.


Este é o momento mais forte da vida de Macabéa uma morte grávida de esperança e de sonho. Uma morte não sentida, sem sofrimento. Ao mesmo tempo que perde a vida ganha um sonho de felicidade para sempre. A celebração deste momento torna a morte o derradeiro protagonista e desta obra.


Personagens


Macabéa: É a protagonista do romance, rapariga nordestina , pobre e simples – orgulha-se de ser dactilógrafa e virgem, gosta de goiabada com queijo e Coca-Cola. Quer ser estrela de cinema. Ouve notícias da Rádio – Relógio.


Rodrigo S.M.: É o autor da história de Macabéa. Afirma que é escritor rico.


Glória: É colega de Macabéa na firma. Cheia de Carne. Apesar de branca e cabelo oxigenados, não consegue esconder sua origem mulata.


Olímpico: É nordestino ambicioso e cheio de ilusões. Rouba os próprios colegas de trabalho. Foi namorado de Macabéa e depois de Glória.


Matou um homem antes de vir para o Rio. Gosta de fazer discurso e mentir. Quer ser deputado, o que acaba acontecendo, segundo o narrador.


Madame Carlota: É a cartomante que já foi prostituta e dona de bordel.


Outros Personagens: Senhor Raimundo (chefe de Macabéa), as três colegas de quarto de Macabéa (Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José) e o médico.

A protagonista “Morte”

Macabéa nasceu com saúde débil e frágil. Sua mãe com medo que ela não sobrevivesse fez uma promessa a Nossa Senhora da Boa Morte,“ …minha mãe botou ele por promessa a Nossa senhora da Boa Morte se eu vingasse…” Pág. 47.

Ao longo de toda a obra a autora, Clarice, faz referências contínuas à morte, como se esta fosse uma fatalidade impossível de contornar. O narrador inconscientemente, mesmo que não o soubesse desde o início da obra, como ele o confessa, sabia que Macabéa não poderia ter outro destino que não fosse o da própria Clarice, que se sabia que ia morrer em breve.

A contínua referência à “morte” faz dela uma sombra quase mais presente que a própria personagem principal.

Pressente-se, em certas alturas, que Macabéa, embora ainda viva, é um ser tão ténue, tão cheio de tão pouco, de tanta pouca vida, que parece quase sem vida. A sua vida é tão pouco…, tão simples de sem sentido, que se sente nela a presença da mão fria do vazio, da morte.

Macabéa é um corpo físico, em que a personagem principal, a morte, encarna.

“…e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte.” Pág.19

“…eu me morreria simbolicamente todos os dias. Pág. 24

“… pois ela nascera para o abraço da morte. A morte é nesta história o meu personagem predilecto.” Pág.91

Macabéa simboliza o início de uma morte anunciada. O Narrador ao longo de toda a obra remete-nos para situações onde se faz alusões à morte. Se por um lado inesperada, porque em contradição com as previsões da cartomante, por outro lado surge como algo inevitável e que não choca o leitor, nem o apanha de surpresa. Quanto mais tempo passa depois da leitura e visualização do filme, mais fica a sensação que não existia outro fim para Macabéa senão aquele.

É a sua morte que lhe confere consistência real, se Macabéa continuasse viva, viva de quase nada, seria um ser sem identidade, sem existência.

MORTE

MEDO

“…e bem sei que cada dia é um dia roubado da morte.” Pág.19

“…eu me morreria simbolicamente todos os dias. Pág. 24

“ Não tenho medo….” Pág. 20

“... estava com medo de atravessar um rio.” Pág. 24

“A sua cara é estreita e amarela como se ele já tivesse morrido. E talvez tenha.” Pág. 27

“ Tudo isso eu disse tão longamente por medo de ter prometido demais e dar apenas o simples e o pouco.” Pág.27.

“… era doida por soldado? …, pensava com estremecimento de prazer; será que ele vai me matar?” Pág.39

“ Quando era pequena sua tia para castigá-la com o medo dissera-lhe…” Pág. 28

“ …minha mãe botou ele por promessa a Nossa senhora da Boa Morte se eu vingasse…” Pág. 47

“ Tinha medo grande de pegar doença ruim …” Pág. 37

“ Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer.” Pág. 58

“ Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte.” Pág.76

"… seus olhos faiscavam como o sol que morria.” Pág. 86

“ Vou fazer o possível para que ele não morra. Mas que vontade de adormecê-la e de eu mesmo ir para a cama dormir.” Pág. 87

“ Mas quem sabe se ela não estaria precisando de morrer? Pois há momentos em que a pessoa está precisando de uma pequena mortezinha e sem nem ao menos saber. Pág. 88

“Eu que simbolicamente morro várias vezes só para experimentar a ressurreição.” Pág.90

“Acho com alegria que ainda não chegou a hora de estrela de cinema de Macabéa morrer.” Pág.90

“Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida.” Pág. 90

“… pois ela nascera para o abraço da morte. A morte que é nesta história o meu personagem predilecto.” Pág. 91

“ Ou é porque a pré-morte se parece com a intensa ânsia sensual?” Pág. 91

“ …- Macabéa morreu. “ Pág. 92

“ Eu estive na terra dos mortos e depois do terror tão negro ressurgi em perdão.” Pág. 92

“A morte é um encontro consigo. Deitada, morta, era tão grande como um cavalo morto. O melhor negócio é ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa, eu que tanto preciso.

Macabéa me matou.” Pág. 92

“ Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça.” Pág. 93

“Morta, os sinos badalavam….Pág. 93

“Meu deus, só agora me lembrei que a gente morre.” Pág. 93

Conclusão

Da análise dos dois instrumentos de trabalho do livro de Clarice Lispector “A Hora da Estrela” e do filme que teve por base a sua obra, sobressai uma personagem de uma densidade psicológica estranha, embora o narrador diga que Macabéa é igual a muitas outras mulheres nordestinas que vieram para o Rio de Janeiro, é difícil acreditar nisso.

Trata-se de uma narrativa no masculino. Rodrigo adverte-nos vezes sem conta da simplicidade da protagonista e desenvolve sentimentos de culpa em relação á mediocridade da história que nos vai contar.

Existe sempre um sentimento de vergonha ou de piedade para com a protagonista. A relação paradoxal, que estabelece com Macabéa é o fio condutor da história. Se por um lado o narrador se quer distanciar do vazio e da inutilidade da personagem, por outro, por vezes, confunde-se com ela e acaba por se solidarizar plenamente com ela no momento da sua morte, em que decide morrer com ela.

Esta morte tem o seu lado libertador para ambos. Ambos parecem preferir a liberdade e o bem-estar que a morte lhes traz.

A personagem “Morte” aparece-nos (ver quadro) manifesta ou veladamente ao longo de toda a narrativa, tornando-se no fim a protagonista salvadora. A morte é a “Hora da Estrela”.

Bibliografia
Lispector, Clarice, A Hora da Estrela, Lisboa, Relógio D´ Água Editores, 1997

"Http://www.casaruibarbosa.gov.br/amlb/clarice_lispector/main_clarice.html"

“http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/clarice/clarice.htm”
Http://educaterra.terra.com.br/literatura/livrodomes/2003/12/16/001.htm

Análise feita por: Ana Maria Ferreira Martins

Sem comentários:

Enviar um comentário