Imagem de Maria - Turquia - 2012 |
Que fé é esta igual para homens e mulheres? Uma fé unissexo? Será que as mulheres vivenciam a fé da mesma forma que os homens? Como se relacionam as mulheres com o Cristo nu na cruz? e porque Maria apresenta-se aos homens e mulheres só com o rosto e as mãozinhas em posição de reza, de fora?
Pondo a questão de outra forma poderíamos igualmente questionar como os homens se relacionam com uma mulher de tanga pregada na cruz? ou as mulheres com um homem todo tapado com as mãos em posição de reza?
Ou seja, há aqui um modelo que à partida induz e reforça a forma como os dois sexos se devem relacionar com os seus corpos. Os homens mostrando-o de forma ostentadora, como se fosse um direito só seu. Ser dono do seu corpo e portanto de si próprio e as mulheres tapando-o e desta forma, não assumindo o poder do seu corpo. Corpo esse, que de uma forma mais ou menos explícita é sempre propriedade do homem.
De forma mais explícita em sociedades onde a religião, algumas exemplares nas suas práticas, tratam a mulher como uma propriedade, primeiro do pai e depois do marido e na ausência de ambos num homem da família. De forma menos explicita através da publicidade e do marketing que manipula e escraviza a mulher a modas e modelos estéticos idealizados pelos desejos do homem. O corpo da mulher deixa de estar coberto com um manto branco, não para que ela o assuma na sua verdadeira essência, de mulher, na maternal e erótica, mas para se tornar num objeto exclusivamente sexual ao serviço de um ideal masculino.
Por alguma razão, desconhecida, as mulheres vêem-se impossibilitadas pelo modelo religioso imposto de assumirem o poder sobre o seu corpo de uma forma natural e simples, como o faz Cristo homem.
Turquia 2012
Aqui podemos falar do pecado calado, que se esconde por baixo das vestes brancas de Maria, pecado esse ausente do corpo de Jesus, sendo-lhe permitido assumir o seu corpo e a sua nudez.
Os homens que idealizaram e institucionalizaram o modelo patriarcal parecem não se preocupar com a forma como as mulheres interagem com o corpo semi nu de Cristo, o que de certo modo traduz um paradoxo, pois se o pecado reside na mulher porque não tapam o corpo de Jesus para que esse desejo pecaminoso implicitamente associado à mulher não se manifeste mesmo de forma inconsciente dentro da mesma?
Parece existir uma clara provocação da igreja Católica às mulheres, uma espécie de teste à sua capacidade de resistir ao possível desejo provocado pelo corpo de jesus nu. Sendo o homem protegido dessa provocação, pois a igreja mantém o corpo de Maria completamente tapado e portanto ausente do imaginário do homem.
É como se existissem duas dimensões na mulher, a santa, vestida de branco, com as mãos em posição de reza e um olhar piedoso e a que fica invisível e ausente, porque escondida, a pecadora associada ao corpo escondido que remeteria para uma dimensão sexual e portanto pecaminosa. Dimensão esta impossível de separar, pois é-lhe intrínseca, pois sem corpo, Maria mulher, nunca poderia ter gerado Jesus homem. Jesus nasceu do seu útero, da sua nudez, do seu corpo. Corpo esse que lhe é negado e que é associado a uma dimensão que a igreja parece não querer mostrar aos seus e suas fiéis e que associam facilmente a uma mulher vulgar, à prostituta, talvez a Maria Madalena.
As duas dimensões fazem parte da mulher, o seu corpo e a sua santidade. Maria só nos passa a ideia de mulher santa, ideia que se pretende que todas as mulheres devam corresponder.
A mulher que esconde o seu corpo, que gerou Jesus no seu útero, não interessa à igreja dar visibilidade. Trata-se de uma dimensão associada ao sexo e portanto ao pecado.
Maria Madalena, essa sim é uma mulher pecadora porque usa o corpo para satisfazer os homens e por isso é apedrejada.
O corpo, o desejo, o prazer, é qualquer coisa que o homem associa sim à mulher, mas à prostituta, cabendo o papel da mulher casada ou séria à imagem de santa, à imagem de Maria.
Acontece que esta divisão que a igreja criou dentro da mulher a santa para um lado e a prostituta para outro, aliada à necessidade que a mulher tem de se enquadrar no modelo vigente desde a nascença, faz com que a verdadeira essência da mulher tenha-se desvanecido ou que esteja tão dividida que de uma forma inconsciente esta divisão interna a faz viver numa ambivalência terrível entre o que sente e faz e o que a sociedade espera dela.
A mulher consciente da sua plenitude e unificação tem sérias e óbvias dificuldades em conviver com as regras que não são as suas mas as ancestralmente ditadas pelo patriarcado.
Com o objetivo de melhor entender que Deus homem é este, que criou o seu filho homem à sua imagem, surgiu-me a dúvida sobre a devoção dos seres humanos em geral. Em momentos de aflição onde a razão dá lugar às emoções a quem se recorre à procura de socorro, a Deus feito homem ou a Maria mãe de Deus?
Não tendo conhecimento de qualquer estudo académico, que nos possa elucidar sobre esta questão, decidi colocar a pergunta primeiro a alguns homens que sei terem fé. Quando questionados sobre a quem rezam ou a quem recorrem em momentos de aflição todos responderam, Maria.
Coloquei igualmente a pergunta a algumas mulheres e também elas referiram Maria, afirmando algumas delas que, embora não professassem nenhuma fé em particular teriam feito promessas a Nossa Senhora de Fátima.
Aqui reside o paradoxo das religiões patriarcais e talvez a principal razão pela qual certas religiões fizeram e fazem questão de abolir o culto a Maria das suas práticas. Era preciso arrancar do coração, do inato dos seres humanos o culto ancestral à mãe, à mulher e portanto a Maria.
Todas as religiões são lideradas por mestres homens e todas elas de forma mais ou menos explicita põem a mulher à margem da sua hierarquia.
Sendo os homens que dominam os campos da Fé, nas igrejas, mesquitas e outros locais de culto, questiono-me sobre a sua espiritualidade e fé. Não sei se há algum estudo com esta abordagem, mas o senso comum mostra que apesar de serem os homens a dominar as cúpulas e a organização das várias religiões do planeta terra, são as mulheres que lhe conferem sentido, pois são elas que pela sua manifestação pública e privada de Fé lhe dão existência e a operacionalizam no dia a dia.
Houve-se falar em beatas mas não em beatos, o que me leva a crer que sem dúvida alguma, em qualquer religião, têm sido as mulheres as que na sombra e na invisibilidade, são o garante da religiosidade, quer nas práticas do quotidiano, na limpeza e decoração das igrejas. São elas que rezam o terço nas igrejas, que ensinam e divulgam através da catequese a doutrina, são elas que vemos a pagar promessas de joelhos nos santuários pelo mundo fora.
Elas asseguram não só, todas as práticas relacionadas com o “cuidar”, cuidar dos pobres, das crianças, dos doentes, dos santos e altares das igrejas, como também através da sua capacidade inata em vivenciar interna e externamente a sua fé a garantia da perpetuação, no ceio da família e da sociedade em geral, do modelo elaborado e imposto pelo poder dos homens na hierarquia religiosa.
A caça às bruxas, não foi mais do que a caça às mulheres que eventualmente pudessem colocar em risco o poder dos homens. O poder patriarcal, que era essencial a dado momento e a todo o custo fazer vingar em termos de modelo social imposto.
A luta do Deus homem contra a Deusa mulher é o motor da institucionalização do poder patriarcal que reduziu as mulheres a meras serviçais desse dito poder, esvaziando-as da sua essência de nascer e ser mulher e portanto da sua divindade. Esta divindade pela natural força que tem, a força da criação, de dar à luz através não só do seu corpo, do seu útero, como da sua emanação energética de amor unificado. A capacidade de o seu útero físico e espiritual criar seres humanos onde as dimensões do feminino e do masculino se encontram omnipresentes.
É urgente resgatar a Deusa para que as sociedade humanas se tornem mais justas e equilibradas.
Ana Maria Ferreira Martins
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