AO REDOR DA MESA GRANDE de Teresa Vasconcelos.
Ficha de leitura elaborada por Ana Ferreira Martins
Nota Introdutória
Quando me foi proposto fazer uma ficha de leitura de uma das obras que constavam na bibliografia aconselhada para a cadeira de Teorias Educativas, pus-me em ação para encontrar uma temática do meu interesse e que, ao mesmo tempo, me documentasse para a minha tese. Procurei, procurei, mas não me foi fácil encontrar as obras que inicialmente me tinha propôs-to a ler. Uma delas era, a do amor maternal de Elizabette Badinter. Cheguei a encomendar o livro pela Internet, o que fiz pela primeira vez e apesar de tudo parecer estar bem, ainda não o recebi na minha caixa do correio.
Numa das Sextas-Feiras de mestrado, já um pouco preocupada com o facto de estarmos no final do prazo de entrega dos trabalhos e eu ainda nem ter a obra para trabalhar, comentei este assunto na sala com os colegas. Um deles informou-me que na FNAC do Colombo havia um único livro da bibliografia aconselhada. Tratava-se de “Ao redor da Mesa Grande” de Teresa Vasconcelos. Na hora de almoço, enfiei-me no metro e fui ao Colombo. Lá estava o livro…, não fazia a menor ideia do que se tratava, mas o desespero já era tanto que já só queria ter um livro para fazer o trabalho. Ainda tentei ver se conseguia outros da bibliografia, mas nada! Lá vim um pouco defraudada com o livro dentro do saco, mas também um pouco aliviada por já ter por onde começar o trabalho, ler uma obra aconselhada.
Tirei um dia para ler o livro. Já estava atrasada e prometi a mim mesma que só sairia de casa depois de ter cumprido este dever. De facto, assim o fiz.
À medida que ia lendo o livro, ia ficando mais e mais fascinada e envolvida com o que lia. Que maravilha!!.. Que história de uma investigação tão bem contada e escrita, que forma apaixonante como esta investigadora viveu esta relação entre a sua tese e a personagem principal do seu livro, a Ana. Que admiração pela capacidade de análise e sistematização que esta investigadora demonstrou em toda a sua escrita!!!, que maravilha!
Que trabalho grandioso no que toca às relações afectivas e profissionais desenvolvidas! Que duas mulheres maravilhosas! Uma, a Ana, que pela sua prática experimenta aprendizagens pedagógicas e pessoais, o «ser moral de Ana», e a outra, Teresa, que desenvolve uma capacidade quase total de empatia com a personagem principal do seu estudo, Ana, e consegue conceptualizar, sistematizar, dar cientificidade e sobretudo dignificar a pessoa e a profissional que Ana é. Carl Roger teria gostado de ler este livro, a empatia estabelece-se como um exemplo a seguir. Carl Roger diz sobre as relações profissionais “ No ensino e na administração, construímos toda a espécie de métodos de apreciação e daí que, mais uma vez, a pessoa seja encarada como um objecto. Deste modo, tenho a impressão de que evitamos a nós mesmos a experiência do interesse que existiria se reconhecêssemos que se trata de uma relação entre duas pessoas” (Carl Roger,1961)
A leitura e elaboração da ficha de leitura deste livro consistiram numa experiência muito rica em termos de aprendizagem teórica e que se traduz na vontade de no meu quotidiano profissional e pessoal, aplicar as práticas democráticas participativas, transversais em toda a prática de Ana e na investigação de Teresa.
Breve biografia
Teresa Maria Sena de Vasconcelos
Natural do Porto, onde nasce em 1949, Teresa Vasconcelos começou por ser educadora de infância.
Exerceu funções como Directora-Geral da Educação Básica no Ministério da educação. (1996) Exercendo simultaneamente as funções de Coordenadora do Gabinete Interministerial para a Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar (GEDEPE).
“Curiosamente, quando entrei pela primeira vez no lindíssimo gabinete com duas frentes para o rio, no 7º andar da Avenida 24 de Julho, tinha, além da imponente secretária, uma enorme mesa rectangular. Disse para com os meus botões: “Cá está a Mesa Grande”. A Mesa tornou-se, não apenas espaço de reunião mas, também, espaço de trabalho individual e pessoal, servindo a secretária para pousar organizadamente os dossiers que precisava de ter à mão.” ( Em entrevista a "a Página")
É membro eleito da Assembleia de Representantes da Escola Superior de Educação e da Assembleia de Representantes do Instituto Politécnico de Lisboa, tendo desenvolvido atividades no âmbito da formação contínua de educadores e professores e na formação especializada.
Desde 1987, é Professora Coordenadora naquela ESE, onde leciona após prestação de provas públicas com uma Lição sobre a aplicação do conceito de "scaffolding" (colocar andaimes) à Pedagogia.
Como Presidente do GEDEI (Grupo de Estudos para o Desenvolvimento da Educação de Infância) é diretora da Revista Infância e Educação: Investigação e Práticas.
Além disso, coordena, desde 1998, o Exame Temático da OCDE sobre "Educação e Cuidados para a Pequena Infância" em Portugal.
Teresa Vasconcelos tem desenvolvido também investigação no âmbito de modelos pedagógicos para a educação de infância, educação não-formal e questões ligadas ao currículo da educação básica e à articulação entre ciclos.
É autora e editora de várias publicações, salientando-se o livro a que se refere esta ficha de leitura, “Ao Redor da Mesa Grande: Prática Educativa de Ana” (1997), A Educação Pré-Escolar nos Países da União Europeia (1990) e co-autora, com João Formosinho, do “Relatório Estratégico para o Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar em Portugal”, que daria origem à atual Lei-quadro para o sector.
Em poucas palavras, foi ela uma das principais "traves-mestras" do atual modelo de educação pré-escolar em Portugal.
1. BREVE APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA CONSTRUIDO NA OBRA
A investigadora, Teresa Vasconcelos, realiza um estudo em profundidade sobre o trabalho de Ana como educadora de infância num jardim de Infância da rede pública, onde numa sala com 20 crianças entre os 3 e os 6 anos de idade desenvolve uma prática pedagógica “Ao redor da Mesa Grande” através da “Construção de andaimes” que têm como alicerces práticas de cidadania baseadas em comportamentos negociados e numa forma de democracia participativa, desenvolvendo o sentido de cidadania, autonomia e responsabilização nestes pequenos cidadãos. Transformando a educação numa conversa.
“Senti-me, dia a dia, mais atraída para a sala de Ana pela forma como ela dava voz a todas as crianças, sentadas em torno da Mesa Grande, onde se reuniam, transformando a educação numa conversa (Bruner).” pág.21
“Este é um estudo sobre o quotidiano, sobre a recriação da comunidade e da democracia no dia-a-dia de uma educadora. É também um estudo sobre a educação como ato moral.” Pág.18
Durante quase dois anos a investigadora estabeleceu uma relação de forte empatia com a educadora. Usou abordagens de pesquisa etnográficas e biográficas. A prática educativa de Ana é enquadrada pelos princípios, filosofia e instrumentos do Movimento da Escola Moderna (MEM), mas transcende-o. Utiliza técnicas de abordagem interpretativas e interativas. A informalidade que utiliza na sua investigação e a área onde se desenrola a sua pesquisa, faz com que lhe chame uma investigação no feminino.
“Mas certamente que me afirmo como uma mulher que faz um trabalho de investigação com outras mulheres, e que reconhece que a nossa condição de mulheres influenciou o modo como interagimos umas com as outras.” pág.45
2. PRINCIPAIS LINHAS DE FORÇA DA OBRA
Depois da leitura do livro “Ao redor da Mesa Grande”, a quantidade de conceitos e ideias importantes para o crescimento individual de todos nós é enorme e difícil de sintetizar. Até os mais pequenos gestos parecem ser passíveis de generalizar, conceptualizar e possuírem uma importância fulcral para o sucesso do todo que é a prática educativa.
Parece-me clara a importância da prática da democracia participativa no contexto pedagógico, pois confere a possibilidade de desenvolver, através do diálogo, da conversa, da resolução de conflitos e da aceitação de diferentes ideias, o exercício da cidadania no contexto comunitário mais vasto.
O ideal de concretização da democracia participativa encontra um ambiente propício ao desenvolvimento das teorias feministas. Os estudos feministas dão corpo e sustentabilidade a esta investigação, permitindo a um grupo profissional específico, as educadoras, professoras e o próprio ensino em geral, um enriquecimento teórico e conceptual nem sempre fácil de atingir-se. É através da democracia participativa que as teorias feministas ganham mais consistência.
Um dos conceitos em que a autora assenta o seu trabalho é o “eu moral” que no caso de Ana, é um género marcado: o eu de uma mulher. Este “eu moral” constitui para a autora o cerne da prática educativa. Este “eu moral” faz com que nos respeitemos a nós próprios, sendo alimentado, no caso de Ana, pela paixão que nutre pela participação ativa e pelo diálogo.
3. ANÁLISE DA OBRA
A investigação realiza-se na Figueirinha, num jardim-de-infância da rede pública de educação pré-escolar nos arredores de Lisboa. O jardim-de-infância Figueirinha estava em reconstrução depois do incêndio que o devastou em Novembro de 1992.
É utilizado pela Teresa o termo «Educadora-mestra» ao longo de todo o livro, pois a Ana é “uma educadora de infância experiente e respeitada, há muitos anos educadora cooperante dos estágios de uma instituição de formação de professores.” pág.17
Educadoras competentes
“Weikart (1973, citado em wood 1991), ao comentar o sucesso do seu próprio programa neopiagetiano e o de outros que haviam baseado as suas intervenções em várias teorias, concluiu que o elemento comum mais importante no sucesso era, não o curriculum por si só utilizado, mas o empenhamento e a competência dos educadores que o põem em prática.” pág.18
A questão central da investigação
A autora elabora três questões fulcrais para a sua investigação:
• O que é uma educadora-mestra?
• Qual o grau de empenhamento e de competência que distinguem uma educadora-mestra?
• Como é que alguém se pode tornar numa educadora-mestra?
Mais tarde elabora quatro Questões de partida mais focalizadas do que as anteriores:
• “Qual o grau de empenhamento e de competência que distingue a Ana como educadora-mestra?” pág.20
• “Quais são as principais «epifanias» (Denzin, 1989) ou os pontos de viragem que moldaram a vida de Ana como pessoa e como educadora?” pág.20
• “De que forma foi a prática educativa de Ana moldada e influenciada pela sua biografia pessoal e profissional?” pág.20
• “Como é que uma educadora-mestra entende o ser educadora-mestra?” pág.20
Estabelece como objetivo inicial:
“...conduzir a minha investigação em conformidade com a minha própria perceção do que é ser uma boa educadora.”
O Significado do estudo
Finalidades do estudo
Manifesta o desejo e intenção de que este estudo seja relevante “para os profissionais de educação pré-escolar em Portugal e para o conjunto de estudos etnográficos em ambientes pré-escolares.”pág. 23
Faz referências a Goodson
“Entendo a educação de qualidade não apenas como um somatório de competências e técnicas. A educação de qualidade é um modo de vida, um compromisso que envolve todo o nosso ser.” pág. 23
“Geertz (1973) considera que, para se compreender uma ciência, devemos olhar não tanto para as teorias que a informam, mas mais para o que os que a aplicam realmente fazem.”. pág.23
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
A autora elabora uma “ recensão bibliográfica do estudo dos professores e do processo de ensino-aprendizagem, e do estudo dos professores pela voz desses mesmos professores.” pág.39. Deu especial relevo ao contributo da epistemologia feminista para o estudo do processo de ensino-aprendizagem. Foram também apresentados o construtivismo social e o pensamento vygotskiano e pós-piagetiano.
Esta recensão remete-nos para uma enorme variedade de autores de acordo com os items a tratar, e que se poderão encontrar no decorrer da ficha de leitura, são eles: Shulman (1986), Aplple (1986),Ball, Cochran-Smith, Lytle (1990) Harding, (1987), Reinharz, 1992, Hoffman, 1981) Britzman; Walkerdine, 1990; weiler,( 1988,1994), Belenky, Clinchy, Goldenberger e Tarule (1986), Fredman 81990), Grumet (1988), Ayers, (1989); Butt, raymond, McCue e Yamagishi,(1992); Cladini,(1985); Elbaz, 1983; Lubeck, 1985; Walsh, Baturka, Colter e Smith,( 1991); Yonemura, (1986), Vygotsky (1978; 1986), Bruner (1986; 1987; 1990), Rogoff (1990), Griffin, Cole (1984), Wood, Malkin, Gilbride (1984), Tharp, Wertsch (1984), Gallimore (1991), Donaldson (1979) e Nias, (1985)
O construtivismo social
“A abordagem de tipo socioconstrutivista considera que o conhecimento é gerado a partir da prática social e é cultural e historicamente enquadrado. O conhecimento é uma atividade social gerada através de um processo de negociação e consenso.” pág. 37
“Será discutida a produção em estudos femininos, nomeadamente versando as professoras e a educação. O construtivismo social será apresentado como ponto de vista teórico privilegiado.”pág. 25
“Pretende, sim, mostrar o modo como os estudos sobre professores evoluíram a partir de um paradigma de investigação do tipo «processo-produto» para estudos centrados na ecologia da sala de atividades e, mais recentemente, para estudos realizados através das vozes dos professores. A produção intelectual e a investigação feminina foram determinantes para esta viragem ao afirmarem a realidade da educação como profissão de mulheres e ao darem o devido destaque às abordagens colaborativas na investigação.”pág.25
Processo de ensino-aprendizagem
“Segundo Shulman(1986), a investigação sobre o processo de ensino-aprendizagem foi dominada nas duas últimas décadas por dois paradigmas. O primeiro é conhecido por «investigação do tipo processo-produto» e explorou o processo de ensino-aprendizagem efetivo através do estudo dos comportamentos dos professores e do sucesso dos alunos, correlacionando, assim, processos particulares com produtos particulares. Este paradigma do «processo-produto» vê o processo de ensino-aprendizagem como uma atividade linear, dando ênfase às ações dos professores em vez de olhar para os professores como profissionais capazes de julgarem e entenderem as suas próprias ações.” pág.25
“Segundo Apple (1986), os professores, de acordo com este paradigma, são vistos como técnicos, e o seu papel será o de implementarem as descobertas feitas por outros no decurso do seu trabalho de investigação.” pág.25
CONTRIBUTO DOS ESTUDOS FEMININOS PARA O ESTUDO DOS PROFESSORES
Trata-se de uma investigação realizada por uma mulher, com outra mulher, num grupo profissional e vocacional tradicionalmente de mulheres que “cuidam” do desenvolvimento pessoal e pedagógico de crianças de ambos os géneros. Diga-mos que o público alvo destas mulheres é muito mais vasto, no género, do que o do grupo de pertença.
Segundo (Harding,1987;Reinharz,1992) “Os paradigmas interpretativos da investigação atraíram os estudos femininos porque tornavam possíveis as interpretações que viam as mulheres como peças centrais do processo de investigação. Ao mesmo tempo, as teorias feministas tiveram uma influência determinante na investigação qualitativa, uma vez que o género aparecia como tema central e a emoção e o sentimento como assuntos passíveis de investigação.” pág.27
A autora sita Hoffman para mostrar como os estudos femininos contribuíram para uma mudança na forma de estudar o processo de ensino-aprendizagem, nomeadamente de duas maneiras (Hoffman, 1981): “(a) ao estabelecer o ensino como uma profissão de mulheres e (b) ao usar os modos colaborativo, interativo e interpretativo na investigação realizada sobre/com professoras. pág. 27
O ensino como profissão de mulheres
A investigadora aborda diferentes Autores, para esclarecer várias formas de conhecimento relacionadas com mulheres. Refere Britzman, 1991; Walkerdine, 1990; Weiler, 1988, 1994).
“Muitos académicos, especialmente mulheres, partindo não só da tradição feminista mas também da teoria crítica e pós-estruturalista, estão a criar uma nova visão do que significa ser mulher e professora (Britzman, 1991; Walkerdine, 1990; Weiler, 1988, 1994). As mulheres são consideradas actores sociais que tentam pôr em prática as suas próprias ideias e crenças. O ensino passa a ser um contexto de compromisso político.” pág. 27
“Belenky, Clinchy, Goldenberg e Tarule (1986), descrevem as diferentes formas de conhecimento das mulheres. Explicam como elas passam de um estado de silêncio ou de receção passiva dos conhecimentos para uma fase de escuta das suas vozes interiores através de uma afirmação do seu conhecimento subjetivo. Finalmente, descrevem o à-vontade das mulheres perante um conhecimento construído que integra o conhecimento anterior complementado pela voz da razão, o conhecimento processual. “Quando usam um conhecimento construído, as mulheres sentem-se elas mesmas capazes de criar conhecimento e, para o gerarem, valorizam igualmente estratégias objectivas e subjectivas.”pág. 27
“Freedman (1990) considera a necessidade de se reconhecer a importância fulcral de se dispensarem cuidados, o que é tipicamente reconhecido como trabalho de mulheres, para afirmar que essa característica não pode ser separada do pensamento. Como tal, apresenta o mesmo conhecimento construído, tal como definido por Belenky e tal. (1986). Freedman critica reformas posteriores que vieram desvalorizar o trabalho das professoras na sala de aula, ao prometerem como recompensa para as boas professoras serem retiradas da sala de aula e colocadas em posições de poder, acima das outras professoras. Grumet (1988), no seu trabalho sobre as mulheres e o ensino, sugere que existe uma relação entre a experiência doméstica das mulheres que criam os seus filhos e o projecto público de educarem os filhos de outras pessoas.” pág. 28
Uso das abordagens colaborativas
“Smith (1987), insiste na importância das experiências quotidianas das mulheres e na necessidade de essas experiências serem estudadas numa perspetival feminina.” pág.28
“Reinharz (1992) demonstra que o feminismo é uma perspetival e não um método de investigação no feminino, aquelas, beneficiaram da diversidade de métodos disponíveis na investigação em ciências sociais. Foca vários aspetos que são importantes em termos da mudança operada na investigação em ciências sociais sob a influência das mulheres: (a) a investigação no feminino visa representar a diversidade humana; (c) inclui a investigadora como pessoa; (d) é uma investigação interativa e define uma relação especial com quem lê. Por conseguinte, a mulher investigadora quer tratar os assuntos que está a investigar com respeito e sem os explorar abusivamente.” pág. 28
Segundo Yonemura (1986), os professores são participantes ativos do ato de dar sentido à vida e deveriam ser considerados como elementos que geram e absorvem conhecimento.” pág. 34
Scaffolding (colocar andaimes)
“… De acordo com Rogoff, Malkin e Gilbride (1984), «o parceiro mais experiente incentiva a criança a resolver um determinado problema, colocando andaimes que permitam à criança estender as suas competências e conhecimentos a níveis mais elevados de competência». (pág.33). pág. 37
Metodologia de investigação
Este capítulo apresenta os métodos usados na investigação. A autora identifica-os e esclarece-nos com que objetivo os integrou no processo de investigação.
“As noções de etnografia e descrição em profundidade foram desenvolvidas como forma de descrever a prática diária de Ana. Os métodos biográficos foram usados para permitirem uma melhor compreensão do percurso pessoal de Ana. A informalidade e a colaboração são noções centrais à investigação, uma investigação desenvolvida no género feminino.”pág.72. Explicou-nos com detalhe o caminho desta investigação interativa, como realizou a análise dos dados e como de desencadeou o processo interpretativo. Conta-nos também como é importante a forma como se escreve um estudo interpretativo. É importante que tenha alma.
Porquê um estudo Interpretativo?
“ A investigadora é, na verdade, alguém que está do lado de dentro da investigação, ela é o instrumento da investigação.” pág.41
Uma investigação no feminino
“Mas certamente que me afirmo como uma mulher que faz um trabalho de investigação com outras mulheres, e que reconhece que a nossa condição de mulheres influenciou o modo como interagimos umas com as outras.” pág. 45
“Além disso, como já disse, o campo da educação de infância é basicamente um campo feminino com a sua inerente ambivalência.” pág. 46
Informalidade
“Uma característica da investigação no género feminino é a informalidade.”pág.46
“Os estudos femininos vêm a experiência como fonte de conhecimento, na medida em que o aspeto pessoal se liga ao público (político) (Stanley e Wise, 1993)” pág. 46
Um esforço colaborativo
“ o meu estudo foi colaborativo, porque não encontrei outra maneira de manter o tipo de reciprocidade que vi instalar-se entre mim e a Ana.” pág. 46
Métodos biográficos
Segundo Teresa as suas primeiras entrevistas com a Ana forneceram-lhe informação muito interessante sobre a sua história de vida. “Quando agora as recordo, lembro-me especialmente de duas epifanias (Denzin, 1989ª) principais (a decisão de ir viver num outro país e a rutura do seu casamento). Estas epifanias constituíram pontos de viragem na vida pessoal e profissional de Ana e foram exploradas em entrevistas subsequentes mais aprofundadas. A ligação de Ana com um movimento de professores, o movimento da escola moderna, teve uma influência decisiva na sua vida profissional e no modo como ela entende a educação. Parte da metodologia do trabalho deste movimento consiste na realização de encontros regulares de professores onde cada um apresenta o seu trabalho.” pág. 47
Processos de investigação
Neste capítulo a investigadora aborda e faz referência às múltiplas dimensões interativas do processo de investigação.
• Negociar a entrada. pág. 49
• Negociação
• Observação participante.
“Spradley (1980) descreve nove dimensões principais das situações sociais a observar:
1. Espaço – a localização física;
2. Atores – as pessoas presentes no estudo;
3. Atividade – o conjunto de atos relacionados que as pessoas praticam;
4. Objeto – as coisas físicas presentes;
5. Ato – ações isoladas que as pessoas praticam;
6. Acontecimento – um conjunto de atividades relacionadas que as pessoas levam a cabo;
7. Tempo – a sequência dos acontecimentos no tempo;
8. Objetivo – aquilo que as pessoas pretendem atingir;
9. Sentimento – as emoções sentidas e expressadas.” pág. 54
• Os lugares
• As pessoas
• Os acontecimentos
• O tempo
• Os sentimentos
• As entrevistas
• Entrevistas criativas
• Tagarelar
Análise da informação
Guardar registo
Utilizou a observação participante, elaborando os seguintes tipos de registo:
• Notas de campo
• Entrevistas transcritas
• Codificação
• Diário pessoal
• Coligir artefactos
• Videogravação
• O processo de interpretação. pág, 58, 59, 60, 61,62
Conversando com a minha subjetividade
A investigadora vê nas abordagens qualitativas uma mais valia.
“Tal como Wolcott (1990ª), «opto pela subjetividade enquanto mais-valia das abordagens qualitativas, em vez de tentar pôr em prática uma objetividade distanciada que não sei se quero ou se preciso» (pág.113).” pág.63
Reciprocidade
“Ao pressionar-me de forma tão insistente para fazer alguma coisa pela escola, a Ana deu-me uma excelente lição de reciprocidade ensinando-me que a investigadora deve perguntar a cada passo de que maneira poderá a sua investigação ser útil para as pessoas estudadas.”pág.65
Credibilidade do processo investigativo
Reflete sobre a sua capacidade de convencer os destinatários do estudo do que viu durante a investigação e se conseguirá dar corpo e vida à sua investigação.
A credibilidade que pretende dar ao estudo também passa muito pela capacidade de articular a informação que ia obtendo por diversas formas a que se chama triangulação.
“ A pergunta principal que tenho de colocar a mim mesma enquanto prossigo na minha investigação é a que o artista fará sobre a sua arte: é aceitável? Mais ainda: é boa? Serei capaz de convencer o meu auditório daquilo que estou a ver? Serei capaz de dar vida ao meu trabalho?” pág. 66
“A triangulação é um dos modos de determinar a credibilidade e implica o uso de diferentes processos de recolha de dados, como, por exemplo, uma observação participante, entrevistas, consulta de documentos, gravação em vídeo, participação em reuniões, etc. À medida que ia sendo recolhida informação de diversas fontes, mais completa essa credibilidade se tornava e mais passível era a triangulação.” pág.67
Ética
“Smith recorda-nos ainda um outro princípio ético muito simples e muito importante: que todo o trabalho tem de valer a pena ser feito.” pág. 69
Escrever
“ O processo de escrita é uma arte, mas também é um ofício.” pág. 71
«APRECIAR AS COISAS BOAS QUE A VIDA TEM PARA NOS MOSTRAR»: A ANA
Neste capítulo a autora faz questão de nos relatar de uma forma muito próxima e real quem é a pessoa de Ana. Tudo, por pequeno que nos pareça tem uma importância e um relevo que revela um profundo respeito e admiração pela pessoa de Ana. Existe uma enorme preocupação em respeitar o “eu moral” de Ana: “Ana vai revelando, nos seus anos de maturidade, um eu tranquilo, reflexivo, pleno de brilho.” pág.88
Este será o fio condutor de toda a história que Teresa nos conta.
“A educação de Ana” pág.74
“Os anos na Suiça” pág.77
“Os primeiros anos da vida profissional de Ana” pág.79
“O papel do Movimento da Escola Moderna” pág.80
“A maternidade de Ana” pág.82
“Os anos de maturidade na Figueirinha” pág.83
UMA EDUCADORA-MESTRA EM ACÇÃO
Teresa escreveu uma “ « descrição em profundidade» (Geertz, 1973) de Ana em acção” pág. 116. São-nos apresentados os habitantes e o espaço que os mesmos habitam. Ficamos a perceber o envolvimento profissional e psicológico dos atores. São-nos igualmente apresentados em detalhe os “instrumentos de trabalho” que Ana utiliza.
“..reconstrução de um dia na sala de atividades de Ana…. Minha intenção tentar reproduzir a rotina típica do quotidiano.” pág.99
Estes são os aspetos tratados pela investigadora:
O espaço. pág.89
• Os adultos
• As crianças
• A sala de atividades de Ana
Um dia na Figueirinha – Das 9.00h às 15h
Os instrumentos de trabalho. pág.111
• Calendário mensal
• Calendário anual
• Quadro das ideias
• Quadro dos aniversários
• Quadro das presenças
• Quadro das tarefas
• Escala de crescimento
• Jornal de parede
«O TRABALHO É A MINHA SEGUNDA CASA»: UMA MESTRA DO QUOTIDIANO”
Teresa direciona este capítulo para a gestão e domínio do quotidiano que Ana faz. É como se o seu dia fosse um puzzle onde diferentes peças vão encaixando com maior ou menor dificuldade. Este encaixe de peças implica uma enorme flexibilidade a par de uma organização do espaço físico e psicológico. A execução de rotinas, aparentemente vazias, transforma-se em momentos de aprendizagem, diálogo e de crescimento. Tornando-se visível capacidade de Ana para ser «mestra».
“Bruner (1990) considera que devia ser dada mais atenção ao estudo da «vida quotidiana» (pág.19) como geradora de significados.” pág117
“A rotina diária resultante destas tarefas domésticas é, por assim dizer, a espinha dorsal do trabalho de Ana. Ao contrário daqueles que desprezam tais tarefas, considerando-as menores, reporto-me ao meu enquadramento teórico sobre estudos femininos (Freedman, 1990; Gilligan, 1982; Grumet, 1988; Martin, 1992) que consideram que o quotidiano, o trivial, o espaço doméstico – considerado trabalho de mulheres – é extremamente importante para a qualidade de vida. Sugiro por isso que este tipo de trabalho não seja considerado menor ou menos relevante, e afirmo que a sua organização pode representar um desafio intelectual.” pág. 118
O quotidiano na sala de atividades de Ana
Um lugar agradável para trabalhar
“Música de fundo. Flores naturais na sala. Os vasos com plantas têm etiquetas com os respetivos nomes.”
Notas de campo, 30 de Abril de 1993 – pág. 119
O papel dos instrumentos de trabalho
“ A Ana considera os seus instrumentos de trabalho muito importantes para a vida quotidiana na sala de atividades na medida em que facilitam a resolução dos problemas.”pág.121
Calendário e quadros das presenças e dos aniversários
“O quadro é, em si mesmo, um «andaime», mas a Ana também ajuda as crianças e cria «andaimes» através de uma «participação guiada» (Rogoff, 1990),” pág.122
Estão identificados três tipos de quadros:
• O registo de presenças
• O quadro das presenças
• O calendário
“As crianças inter-agem com os quadros como se tratando de “ferramentas úteis para as suas vidas. Usam-nas para verificarem a organização da vida na sala de atividades” pág. 128
Atividades durante a hora da fruta
“ A tarefa de pôr a mesa e comer a fruta torna-se numa oportunidade para as crianças cooperarem, resolverem problemas em conjunto, mostrarem do que gostam e do que não gostam” pág.130
Cuidar dos animais, plantas e objeitos
“Cuidar dos animais e das plantas é uma tarefa importante para as crianças. Segundo Noddings (1984), «uma ética baseada nos cuidados naturais a ter com a nossa vida deve incluir a nossa relação com os animais» (pág.148).” pág.134
Acontecimentos comuns, rotinas
“Meier (1986), uma professora, fala da importância dos « pequenos momentos de aprendizagem» (pág.298). Acontecimentos comuns, rotinas, situações do dia-a-dia são capturados pela Ana e passam a ser educativos. A atitude geral de Ana face aos problemas é de indagação, de busca, passando facilmente esse modelo para as crianças e para os outros adultos.” pág.138
Disciplina centrada no grupo
“Disciplinar as crianças é parte do trabalho diário de uma educadora. Mas, para a Ana, disciplinar não é uma maneira de retirar ás crianças os seus poderes interiores, mas sim uma forma de pôr o puzzle do quotidiano a funcionar harmoniosamente e a contento de todos” pág. 140
Gerir o quotidiano
Segundo a autora poder-se-ia “sintetizar o trabalho de Ana no domínio do quotidiano em torno dos seguintes temas: fomentar o respeito; valorizar a organização; capturar o momento que passa; promover a autonomia e colocar andaimes ( Wood, Bruner e Ross, 1976).
Respeitar para ser respeitada
“ A Ana ouve as crianças e interage com elas como pessoas crescidas” pág.145
Uma gestora de primeira categoria
“ Estabelece uma determinada rotina, uma estrutura suave, mas funcional, e deixa que essa estrutura se imponha por si sem necessidade de estar sempre a adotar posições dirigistas. “ pág.146
Uma exímia caçadora de borboletas
“A Ana é mestra em capturar o momento que passa, transformando-o num acontecimento educativo. Esta atitude implica, como a Ana me explicou mais tarde, muita experiência e muita atenção. Mas requer também muita sabedoria, visão e intuição.” pág. 146
“ É preciso grande visão, competência, experiência e conhecimentos para se ser capaz de capturar o momento que passa, agarrar o instante, como faz Ana, avaliando o seu potencial pedagógico e desenvolvendo-o, prolongando-o, tirando dele o melhor partido. Transformando-o numa experiência de aprendizagem enriquecedora para as crianças. Trata-se de uma abordagem fortemente influenciada pelo existencialismo e pela valorização do contexto, a ideia de que a educadora deve capturar o momento, proporcionando às crianças um espaço de reflexão e de diálogo.” pág.148
Dar autonomia à criança
“ A Ana vê as crianças como seres sociais, capazes de interagir com os outros e, consequentemente, de dirigir as suas próprias ações com o apoio ou a orientação de um adulto.” pág. 150
Uma condutora exímia
“ A Ana é uma condutora exímia, porque, depois de dar às crianças (individualmente ou em grupo) o apoio de que elas necessitam, afasta-se e torna-se menos visível, para que a criança ou o grupo se bastem a si mesmos. Enquanto lhes dá apoio ou as ensina, enquanto as guia ou lhes faculta «andaimes», a Ana está ao mesmo tempo a preparar a sua saída de cena, tornando-se desnecessária. Isto requer uma admirável perícia – a de fazer o puzzle quotidianamente mutável da Figueirinha funcionar sozinho.”pág.151
«SENTEMO-NOS À VOLTA DA MESA GRANDE»: CRIAR COMUNIDADE E DEMOCRACIA NA SALA DE ACTIVIDADES
Ana é uma facilitadora por excelência na construção de uma democracia participativa, “uma verdadeira líder democrática” e esta atitude manifesta-se durante as atividades diárias com as crianças mas também com as suas famílias e com a sua equipa de trabalho.
Segundo a autora, as crianças precisam de aprender as regras da vivência democrática e a Ana ensina-lhes, enquanto se sentam com ela ao redor da mesa grande, a planificar, a conversar, a discutir temas da vida real. A democracia estabelece-se através de um “processo contínuo de uma vivência em comunidade, alimentada através do registo e da preservação da memória coletiva” (pág. 208), proporcionando às crianças as ferramentas necessárias para lidarem com a realidade da qual fazem parte integrante.
As conversas ao redor da Mesa Grande
Segundo a autora, a Mesa Grande é o fórum de diversas conversas, com objetivos diferentes. Destaca as seguintes conversas: planificação formal das notícias e informações, discussão de aspetos da vida real.” pág. 155
Dar notícias e informações
“Dar notícias e informações é também um ponto importante das conversas à Mesa Grande.” pág. 159
Discussão de temas da vida real
“ A construção da comunidade e da democracia é conseguida através de um processo de argumentação e negociação. Mesmo assim, o significado destas duas palavras tem de sofrer uma constante construção e reconstrução. A linguagem e a conversação são a via que conduz a este processo.” pág. 162
Aprender a sentar-se à Mesa Grande
A autora afirma que o sentido de auto-estima (um sentido do domínio); o sentido da presença dos outros; e o sentido de empatia são algumas das competências alargadas que as crianças precisam de desenvolver.
O sentido de auto-estima
“ A Ana deixa-se influenciar pelas suas próprias experiências interiores. Ela conhece por experiência própria, sentimentos de falta de autoconfiança e de não ser inteiramente aceite pelos outros. Por ter sido capaz de resolver esses problemas através de um processo reflexivo (capítulo 4), a Ana é capaz, agora que é uma mulher já amadurecida, de sentir compaixão por aquelas crianças que tiveram experiências semelhantes à sua. Ela cria na sala de atividades um «mundo protegido» (Polakow, 1993) onde cada criança é completamente aceite e lhe é dado poder. A aceitação vem não apenas dela, mas de toda a animada comunidade formada pelo grupo.” pág. 167
O sentido da relação com os outros
Segundo a autora, a Ana afirma a importância das interações sociais para a criação de significados. “Ao desempenharem uma tarefa em equipa ou em grupo, as crianças dependem não apenas dela, a sua educadora, mas sobretudo dos seus pares. Através dessa interação, negoceiam, aprendem, apreendem o conceito da planificação em conjunto.” pág. 169
O sentido da empatia
“Educar o grupo para ter sentimentos de empatia é uma especto importante do trabalho de Ana. Ela fá-lo, antes de mais, dando o exemplo, mostrando de forma muito simples que compreende a dor ou a frustração das crianças. “ pág.172
Ana, a educadora-mestra à Mesa Grande
Segundo Teresa, o papel que Ana desempenha na Mesa Grande é claramente de liderança. Embora sentada à mesma altura das crianças é ela que controla, gere e modera as conversas. Escolhe um lugar estratégico à volta da mesa sentando-se em frente para a porta, para ver quem entra ou sai e coloca sempre a seu lado o Pedro para o poder ajudar, pois apresenta uma paralisia da cintura para baixo.
Ajudar na negociação e na resolução de conflitos
“Ajudar na negociação e na resolução de conflitos faz parte do papel de Ana à Mesa Grande” pág.176
“O que é realmente cativante é o processo de educar ser uma verdadeira «conversa» (Bruner, 1986). A Ana explica, insiste, ajuda as crianças a formular os seus direitos, chegando, por vezes, a ser a sua voz. Este processo é largamente apoiado em perguntas. A Ana evita, assim, lutas de poder, limitando-se a explicar e a fazer as crianças entender as suas próprias contradições.” pág.176
“ A mensagem implícita que passa às crianças é que têm poder para resolver os conflitos sozinhas, mas que, para isso, têm de ser capazes de afirmar os seus direitos. A Ana considera que é importante estar sempre atenta, para não deixar nenhuma dessas situações por resolver.” pág.181
“Mesmo quando uma criança não tem razão, ela tem o direito de apresentar os seus argumentos. Através do diálogo, certificando-se de que ambas as partes são ouvidas, a Ana trata as crianças como pessoas crescidas. “ pág. 182
Alimentar e registar a memória do grupo
A autora ilustra a importância de alimentar e registar a memória do grupo com a seguinte transcrição de uma conversa com Ana:
“Tem um efeito muito forte sobre as crianças o facto de se poderem rever no que fizeram: «Olha, quando eu estava…». São momentos importantes, porque podem falar sobre eles e recordá-los. E, ao recordarem, confrontam situações. É aquela ideia de conservar, guardar. Guardar partes das vidas das pessoas. Como quem guarda um tesouro.” Ana, entrevista, 15 Junho 1994 “ pág.190
Promover a literacia
“As ferramentas da leteracia tornam-se num meio de as crianças produzirem significados e terem acesso à cultura mais alargada da comunidade em que estão inseridas.” pág.194
Criar uma comunidade para lá da sala de atividades
“ A Ana tem indelevelmente gravado no coração um sentido verdadeiramente participativo da democracia, o que implica a existência de um espaço educativo aberto, um espaço onde todos se sintam bem-vindos e com um papel a desempenhar. Como exímia construtora de puzzles, a Ana organiza essa participação variada para que todos possam aprender com todos.” pág. 196,197
Envolver a criança com necessidades educativas específicas
Nesta passagem Ana explica a estratégia que utilizou para que o Pedro fosse recebido na sala, evitando que as crianças se concentrassem na sua deficiência, mas sim na sua individualidade enquanto pessoa.
“A Ana começou por anunciar a chegada de Pedro dizendo: «Vamos lá ver se ele gosta da nossa sala».
“Se eu tivesse dito às crianças: «Vem para cá uma criança que é deficiente, que não pode andar», o grupo, mal o Pedro entrasse, ia concentrar-se na sua deficiência… E eu não queria que eles dessem demasiada atenção à deficiência” pág. 200
Envolver as famílias
Segundo Teresa a Ana tem “plena consciência de que a vida das crianças será tanto mais positiva quanto maior for a interação entre ela própria e os pais.” pág.201
“A Ana sabe ainda que as famílias alargadas são muito importantes para as crianças.” pág.201
Envolver a equipa
“A Ana age com as auxiliares de ação educativa da mesma maneira que age com o seu grupo de crianças: como líder democrática. Dá às auxiliares o poder de escolherem e decidirem entre si o que cada uma vai fazer, e procura tratá-las com imparcialidade, sem tomar partidos.” pág. 205
«SOU ASSIM, APENAS PORQUE NÃO POSSO SER DIFERENTE…»: A ANA EDUCANDO COM TUDO O QUE É
O «eu profissional» de Ana: educar com tudo o que é
Neste capítulo reflete-se sobre prática educativa de Ana. Cuidar dos outros com solicitude é o cerne do «eu moral» de Ana. “O respeito surge como a essência da prática educativa de Ana. A vida da sala de atividades é vista por ela como um “puzzle.”…”O jardim-de-infância é uma forma de vida comunitária que precisa de ser alimentada através da participação conjunta de todos os seus membros e dos cuidados dispensados às relações humanas. O papel de Ana como educadora-mestra à Mesa Grande ganha, por isso, especial relevo.” pág.241
Segundo a autora, as três partes que compõem a Mesa Grande representam:
• o «eu moral» de Ana (solicitude e dedicação);
• a vida diária da sala de atividades como um puzzle quotidianamente reconstruído («as peças têm de encaixar umas nas outras»);
• guardar-alimentar a memória do grupo.
“ O «eu moral» de Ana, a vida diária e alimentar a memória são o cerne do trabalho de Ana como educadora do Jardim-de-Infância Figueirinha.” pág. 211
Abrir «avenidas» para os outros entrarem: o «eu moral» de Ana (solicitude)
A ideia veiculada pela autora de que os saberes de Ana provêm do seu «eu moral» e são a coluna vertebral do seu estar no mundo, trespassa em toda a sua pesquisa e parece-me ser um dos pilares do estudo.
É tudo uma questão de respeito
Teresa sita Burbules sobre esta questão do respeito, “(Burbules, 1993), Para ele, «respeitar o outro» e, por isso mesmo, respeitarmo-nos a nós mesmos são condições que nos fazem acreditar na utilidade do diálogo» (pág.38). ele insiste ainda em que, além do respeito pelo outro, o outro precisa de nos respeitar e nós precisamos de nos respeitarmos a nós mesmos. E afirma ainda: «o diálogo pode ser destruído por afirmações de autoridade que imponham um sentido único ao respeito e, com o tempo, acabem por reduzir o auto-respeito dos interlocutores» (pág.39).
Tempo
Segundo a autora é necessário manter o sentido do tempo ao longo do calendário mensal que é consultado diariamente, um calendário anual com os seus vários meses, um quadro dos aniversários ao longo do ano e, finalmente, um relógio ou a possibilidade de contarem os minutos…, estas são as formas de as crianças aprenderem a se relacionar com o tempo real.
“ Na sala de Ana, o tempo está organizado e até ritualizado – calendários, relógios, quadros e mapas, aniversários e registos escritos fazem parte desse ritual. Mas o tempo também é flexível, negociado e controlado pelo grupo.”pág. 221
Espaço e objetos (os materiais)
“Espero ter apresentado provas irrefutáveis da importância do trabalho de organizar uma sala de atividades, um trabalho tipicamente de mulheres (um trabalho doméstico), trabalho esse que é social e intelectualmente estimulante. pág. 225
Como quem guarda um tesouro»: alimentar a memória do grupo.
“As crianças, sob a orientação de Ana, tornam-se co-construtoras do tempo e não vítimas dele: um desenho pode ser continuado no dia seguinte, uma magnífica construção de blocos pode continuar à tarde, as notícias do jornal de parede são mais tarde guardadas em álbuns.”pág.227
Continuidade
“Criar o puzzle do quotidiano da sala de atividades é, no caso de Ana, como criar este ritmo cíclico, imerso num sentido de continuidade, que dá lugar a que o imprevisto aconteça.”pág. 228
“Assim sendo, a continuidade de uma experiência – a atividade sustentada – é importante para a qualidade da vida intelectual das crianças. “ pág.229
“Ritual não é só comunicação, é também uma forma de comungar (Kapfeer, 1986) da experiência dos outros.” pág.230
Recordar
“No seu processo de valorização da «recordação coletivas», a Ana está, não apenas, a cuidar do desenvolvimento intelectual do seu grupo de crianças, mas também a
contribuir para a regeneração da vida da comunidade” pág. 233
Construir uma comunidade
“Uma vez que para Ana «O trabalho é a sua segunda casa», um «lar» onde precisa de se sentir bem, relaxada, intelectualmente estimulada, um «lar» que a satisfaz esteticamente (música, bonitas fotografias nas paredes, objetos esteticamente agradáveis), a Ana cria tanto para si como para as crianças um sentido de «lugar» (Polakow, 1993). E ao construir este sentido de lugar, abre «avenidas» para o Pedro, a mãe do Huguinho, o Sr. Paixão, a Helena (a educadora tímida) ou eu própria podermos entrar.”pág.235
Alimentar a memória
“Quando a Ana ensina às crianças a cultura da comunidade – música folclórica, contos tradicionais, rimas infantis, cantigas, terras portuguesas que escolhe no mapa, valores e crenças por ele escolhidos -, está a transmitir-lhes a nossa identidade coletiva, aquilo que faz de nós portugueses e não outro povo qualquer. Por conseguinte, ao alimentar a memória coletiva, a Ana cria uma comunidade para lá da sala de atividades.” pág. 235
O «gosto» da Mesa grande: cuidar da vida do grupo ou o desabrochar da vida intelectual
Teresa compara o que se passa á volta da Mesa Grande com um banquete onde “as crianças, ao provarem as iguarias, aprendem, realmente, o que é uma democracia participativa. Não são «criancinhas adoráveis, encantadoras», mas sim jovens cidadãs e cidadãos com os seus direitos e os seus deveres. A sua liberdade não é limitada – os seus limites são-lhe impostos pela liberdade dos outros. A sua individualidade faz parte do «espírito» de grupo, ao aceitarem mutuamente com as suas diferenças e ao construírem um forte sentido de si mesmas como pessoas capazes, inteligentes criativas e dedicadas.” pág.237
Segundo a investigadora o “eu moral de Ana” é feito de fortes convicções políticas e filosóficas, e de um idealismo refrescante. Estas convicções foram-se desenvolvendo através de várias «epifanias» da sua vida.
A imagem que Teresa deixa transparecer sobre as crianças da sala de Ana é a de que aquelas vivem um presente aprazível, um quotidiano preenchido e feliz, à medida que se projetam no futuro, impelidas por Ana. “Vão entrar para o primeiro ciclo e levar na «bagagem» algumas aquisições básicas do saber que a Ana fez desabrochar nelas de forma tão bonita e natural, mas levarão também a experiência vital e poderosa de aprendizagem que é terem vivido em comunidade e experimentado a interdependência á medida que iam aprendendo umas com as outras.” pág.238
Ana a educadora-mestra
Segundo a autora Ana é uma educadora mestra:
• “na forma como transforma os acontecimentos triviais do quotidiano em atividades social e intelectualmente estimulantes para as crianças e para ela própria.” pág. 239
• “ na medida em que estrutura um espaço pedagógico e as atividades que nele decorrem até aos mínimos detalhes e na medida em que vai fazendo uma avaliação contínua do seu trabalho, com base em registos diários.” pág.239
Outro aspeto que é valorizado pela investigadora é o facto de Ana acreditar que pode “construir verdadeiras parcerias com as famílias, dando aos pais e aos avós a possibilidade de serem eles próprios professores na sua sala de atividades, mas, em troca, ensina-lhes algumas formas mais apropriadas de lidarem com os filhos.” pág.239
CONCLUSÃO-NOVAS QUESTÕES
Na Conclusão da sua obra a autora aborda os seguintes aspetos:
• Para uma teoria da prática educativa de Ana: «É uma coisa pessoal, muito pessoal!»
• O «eu moral» como centro da prática educativa
Não deixa de referir a importância que tem o género de Ana no seu “eu moral” deixando implícita a importância deste trabalho para os estudos sobre mulheres.
O «eu moral» de Ana é um eu com género marcado, o eu de uma mulher. pág.246
• Uma visão da criança
Segundo a autora a visão que a Ana tem da criança não é apenas determinada pelas teorias do desenvolvimento ou teorias sociológicas. “Esta visão implica muitas dessas teorias e, por outro lado, transcende-as. Esta visão recusa rótulos simplistas e é determinada pelo «eu moral» de Ana e pelo modo como ela vê os seres humanos em geral. Trata-se de uma visão determinada pelos valores humanos de Ana e pelas suas opções políticas.” pág.247
• A vida da sala de atividades como estrutura democrática
Teresa conclui que “Ana ensina as crianças a torna-se pequenas cidadãs e cidadãos ao redor da Mesa Grande. Elas aprendem o que é o respeito, a negociação de pontos de vista em conflito, a igualdade de oportunidades e a justiça, a diversidade, a responsabilidade e o compromisso, elas aprendem a conhecer os seus direitos e os direitos dos outros.” pág. 248
Ainda como conclusão faz referência à sua capacidade de liderança democrática que se traduz na forma como torna possível a democracia participativa dentro da sala de atividades.
• O puzzle quotidianamente reconstruído
“ A Ana proporciona uma «escolarizar» (Martins, 1992) às suas crianças, um lugar acolhedor e aconchegado, com plantas e objetos decorativos, um lugar que tanto ela como as crianças sentem como seu.” pág.249
• Um curriculum emergente
A autora destaca a ênfase social e intelectual de Ana. “Não podemos de forma alguma separar estas duas áreas, pois, como espero ter provado sobejamente, a riqueza da vida intelectual da sala de atividades de Ana emerge do cuidado solícito que ela dispensa á vida social.”pág. 250
A autora destaca a ênfase social e intelectual de Ana. “Não podemos de forma alguma separar estas duas áreas, pois, como espero ter provado sobejamente, a riqueza da vida intelectual da sala de atividades de Ana emerge do cuidado solícito que ela dispensa á vida social.”pág. 250
Plantar o meu próprio campo
Estudar a Ana
A autora ressalta a importância de estar convicta de que o trabalho que realizou foi uma das formas mais democráticas de investigação.
Penso que esta democraticidade e vontade de reproduzir fielmente situações, emoções, sentimentos e espaços físicos se podem traduzir nesta afirmação de Geertz (1986) que Teresa sita na sua conclusão, «nós não podemos viver as vidas dos outros: tentá-lo é apenas um exemplo de má fé. Tudo o que podemos fazer é ouvir aquilo que eles, por palavras, imagens e ações, têm a dizer das suas vidas» (pág.373).” pág. 252
NOVAS QUESTÕES
Deixo aqui algumas questões que me coloquei ao longo deste trabalho. Haveria muitas mais
Quais os pressupostos para a existência de um “eu moral” adequado a uma Educadora Mestra ?
É possível tornar real este exemplo de exercício pedagógico no ensino pré-escolar, em especial?
Com que frequência se encontra uma Educadora Mestra?
É possível um homem preencher os requisitos para a existência de um “eu moral” necessário ao perfil de Educadora Mestra?
TENSÕES ENCONTRADAS
Senti alguma tensão quanto à articulação das metodologias, entre as ciências sociais e as teorias feministas. Penso, contudo, que a investigação participativa foi a mais adequada na realização desta pesquisa. As abordagens qualitativas, a observação participante, foram ferramentas fundamentais para o estudo e que facilitaram uma investigação no feminino.
Senti a alegria desta experiência pedagógica e de investigação de sucesso e a tristeza de saber não se tratar de um comportamento dominante.
Onde devo comprar o meu campo?
Teresa mostra-nos o desejo profundo de encontrar e comprar o seu próprio campo de modo a poder plantar e colher frutos tão sãos e frescos como os que viu Ana plantar na Figueirinha.
Este desejo é o fecho e reflexão que nos deixa no final do seu livro, Ao Redor da Mesa Grande:
“Os meus olhos estão abertos, os meus ouvidos atentos e os meus sentidos despertos. Não sei ainda onde vou encontrar a minha «Figueirinha». Mas sei – e, por alguma razão, não consigo ver as coisas de outra maneira – que será ao redor de uma mesa Grande, num lugar onde as pessoas tentem, em conjunto, construir comunidade e democracia. Penso que estou pronta a dar o meu salto de fé e interrogo-me, mansamente, no mais fundo de mim mesma: Onde devo comprar o meu campo?” pág.253
É com esta citação, que me atrevo empaticamente a tornar também um desejo meu, que termino a elaboração desta ficha de leitura.
4. BIBLIOGRAFIA
Rogers, C.R., (1961).Tornar-se pessoa. Moraes Editores
VASCONCELOS, T. (1997a). Ao Redor da Mesa Grande: Prática educativa de Ana. Porto, Porto Editora.
Sitios internet
Teresa Vasconcelos ; F:\CEEP_ “I am like this because I just can’t be different_ _ _” Personal and Professional Dimensions of Ana’s Teaching Some Implications for Teacher Education.htm
Teresa Vasconcelos, em entrevista a "a Página", Ano XIV/nº 145, Maio 2005 F:\Artigo.htm
Sem comentários:
Enviar um comentário