Maternidade, Família e Estado

Nadine Lefaucheur
Análise realizada por, Ana Maria Ferreira Martins em 2005


 Nadine Lefaucheur é uma socióloga e historiadora Francesa, responsável pela pesquisa no centro Nacional de pesquisa científica em Paris (CNRS)

É responsável pela pesquisa num grupo de pesquisas e análise social e da sociabilidade. O seu trabalho reporta-se ao tratamento das situações familiares anormais.
Tem várias obras publicadas na área dos estudos sobre mulheres e pode-se encontrar o nome dela como professora no Centro de pesquisa sobre os poderes locais nas Caraíbas na Universidade de Martinica.

Escolhi o texto de Nadine Lefaucheur sobre a Maternidade, Família, Estado, por ser uma área que me interessa tratar no decorrer da minha tese de mestrado que irá ser sobre maternidade na adolescência.
Faz uma retrospectiva histórica sobre o papel da mulher antes e sobretudo depois da segunda guerra mundial, onde muita coisa mudou por força das necessidades da sociedade industrial e do consequente desenvolvimento e modernização tecnológica.

Neste texto, Nadine Lefaucheur aborda as questões da maternidade, Família e Estado no mundo Ocidental, caracterizando e ilustrando as suas afirmações com numerosos dados estatísticos que nos permitem ficar com uma ideia mais clara e precisa da informação.
A investigadora, associa as descobertas e os avanços tecnológicos e científicos efectuados a partir do último terço do século XIX à transformação que o papel da mulher e por arrasto a situação de maternidade. Alterações na divisão do trabalho e do poder entre os sexos, a diminuição da mortalidade, permitindo através do uso de anticoncepcionais, um maior controlo da natalidade e diminuindo consideravelmente a parte ocupada pela gestação e amamentação no ciclo de vida das mulheres.

As inovações tecnológicas foram determinantes na reviravolta da situação das mulheres fazendo com que elas deixassem de ocupar somente o espaço do lar, passando a ter actividades fora dele, quer porque ficaram com mais disponibilidade de tempo, quer porque o mercado de trabalho se alargou e se transformou, permitindo a existência de espaço para o trabalho feminino.

Nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial registou-se, nos países capitalistas desenvolvidos, um forte crescimento económico. A par do crescimento económico foi crescendo, nestes países, embora de formas desiguais, o chamado Welfare. Este assumia a forma de Estado Providência procurando dar aos cidadãos bem-estar e segurança. Nadine Lefaucheur fala-nos das mudanças ao nível da tipologia das habitações, do melhoramento e da mecanização do trabalho doméstico, da importância do capital intelectual versus o muscular, da colectivização do trabalho de reprodução e da criação do estado “Welfare” através de sistemas de protecção social.

Maternidade, Família, Estado
Nadine Lefaucheur
História das Mulheres no Ocidente, vol.5, pp.479-503

Nadine Lefaucheuer, num trabalho intitulado,”Maternidade, Família, Estado”, aborda três grandes temas: a família, a maternidade, Welfare, trabalho de reprodução e a sua relação com as mulheres.
A família na tormenta
Relacionado com a família, Nadine Lefaucheur fala da maternidade, nupcialidade, uniões de facto, divórcios e novas apresentações de famílias: famílias de três elementos, de habitat individual e de monoparentalidade.
A autora define família como o “lugar habitual da reprodução biológica das populações humanas, lugar privilegiado da sua reprodução social, a família é também o lugar onde se entrecruzam as relações sociais fundadas na diferença entre os sexos e nas relações de filiação, de aliança e de coabitação.” Pág. 478

Segundo Nadine Lefaucheur, a família, durante os anos sessenta, nos países desenvolvidos, é afectada pelas transformações demográficas, tecnológicas e económicas que estão ligadas ao aparecimento de um novo regime de produção. Este regime, segundo a autora, interfere nas bases materiais e sociais das relações entre os sexos e, segundo esta, desvaloriza a família como lugar de “destinação”. Pág. 478
Fecundidade
Antes da segunda Guerra Mundial, e mais visivelmente depois da mesma, em todos os países ocidentais, as taxas de natalidade vinham a registar uma subida em relação ao final do séc. XIX.
Nos anos sessenta o chamado Baby-Boom tinha terminado. Os diversos indicadores de natalidade no ocidente em meados dos anos sessenta começaram a registar descidas vertiginosas, fazendo com que a maior parte dos países desenvolvidos estivesse abaixo do limiar de substituição da população.

Índice de Conjugalidade e fecundidade
Actualmente, e tendo em conta as condições de mortalidade nos países desenvolvidos, o índice conjuntural de fecundidade deve ser próximo de 2,1 (filhos por mulher) para que a reprodução da população seja assegurada de modo estável sem recurso à imigração.
Segundo números apresentados pela autora, todo o mundo ocidental registou caídas preocupantes de fecundidade durante os meados dos anos sessenta e até finais dos anos oitenta.

Como exemplo, temos os Estados Unidos que, em 1957, tinha uma taxa de 3,7 e, em 1975, 1,8. O Norte da Europa, em 1964, registava uma taxa de 2.5 e mesmo de 3, passando a apresentar, em 1975, uma taxa abaixo de 2.
No final da década de oitenta registou-se em alguns países europeus uma ligeira subida, mas que, segundo a autora, se deve ao facto de ter subido a idade média das mulheres ao nascimento dos filhos, e não a um aumento do número final desses filhos.

Nadine Lefaucheur faz referência para o facto do número de nascimentos fora do casamento ter registado uma subida. No início dos anos sessenta, nos países europeus, estas taxas eram muito baixas (cerca de 2%). Essas taxas de nascimentos fora do casamento quintuplicou ou mesmo sextuplicou em vinte e cinco anos.
“Em 1990, um recém-nascido francês em cada quatro tinha pais que não eram casados.” Pág. 480


Por importantes que sejam, estes números ficam bastante abaixo dos países escandinavos, onde, no início dos anos sessenta, uma criança em cada dez nascia já de pais não casados, proporção que, no final dos anos oitenta, passou para uma em cada duas. O crescimento, desigual mas geral, dos nascimentos “ilegítimos” bastaria, por si só, para indicar que a frente do casamento foi pelo menos abalada tão violentamente como a da fecundidade.” Pág. 481

Índice conjuntural de nupcialidade
Os índices conjunturais de nupcialidade medem a probabilidade de casamento antes dos cinquenta anos, se as condições do momento não se modificarem.

No início dos anos sessenta eram, por todo o lado, superiores a 90%, tanto para os homens como para as mulheres. Começaram a declinar a partir de meados da década na Escandinávia e, alguns anos mais tarde, na maior parte das democracias da Europa Central e depois da Ocidental. Em meados da década de oitenta, em todos estes países, atingiram níveis compreendidos entre 48% e 66%. Este facto, segundo a autora, significava que, se as condições do momento se mantivessem, uma pessoa em cada duas ou em cada três ficaria solteira. Para a nupcialidade como para a fecundidade, nos países mediterrânicos, só no final da década de setenta os índices baixaram.
Divórcio e monoparentalidade
As taxas de divórcio e monoparentalidade começavam a subir em flecha na maior parte dos países ocidentais.
A subida das uniões de facto, não atingiu apenas os jovens, mas foi registada sobretudo entre os menores de trinta anos: “na Suécia, em 1985, nesta classe etária, os casais não casados eram mais numerosos do que os casados. Nos Estados Unidos, em 1983, entre as mulheres solteiras que não residiam em casa dos pais, mais de 20% das que tinham menos de trinta e cinco anos viviam em união livre, o que apenas acontecia a menos de 10% das que tinham idades compreendidas entre os trinta e cinco e os cinquenta e cinco anos. Em França, no final dos anos oitenta, cerca de metade das mulheres de menos de trinta anos que viviam com um companheiro não eram casadas.” Pág. 482

As curvas de divórcio começaram a subir (onde era autorizado), ainda antes da queda dos índices nupcialidade. Também aqui o Sul da Europa registava números mais baixos, registando-se os mais elevados na Dinamarca.

Índice conjuntural de divórcios
Mede em percentagem a probabilidade de os casais se divorciarem se as condições do momento se não modificarem.
“Compreendido entre 6 (Escócia) e 18 (Suécia e Dinamarca) em meados da década de sessenta na Europa Ocidental (com excepção, claro, dos países onde o divórcio continuava a ser proibido, como a Itália, a Espanha e a Irlanda), este Índice atingia os 50 na Suécia em 1075, e os 40 no Reino Unido e na Dinamarca em 1980, data na qual era próximo de 25 na maior parte dos outros países, antes de aumentar ainda 5 a 10 pontos nos anos seguintes. Nos Estados Unidos, onde era já de 25 em meados do século, começou a aumentar por volta de 1960 para atingir os 40 a partir de 1970. “ Pág. 482
Ao mesmo tempo que se tornava mais frequente, o divórcio tornava-se também mais precoce. Assim, na Grã-Bretanha, para se poder contar 14% de casais divorciados entre os que se tinham casado num determinado ano, houve que esperar vinte anos para que os casados em1959, dez anos para os de 1969 e seis anos apenas para os de 1979.

Desta situação resultou um aumento das famílias monoparentais na generalidade dos países desenvolvidos. A monoparentalidade deixou de estar somente relacionada com a viuvez ou com pessoas abandonadas pelo cônjuge, mas também e sobretudo com a situação de divórcio ou com a separação voluntária. Sendo estas as principais razões pelas quais os filhos vivem apenas com um dos pais.
Nos finais dos anos 80, a maior parte dos países da CEE, os lares monoparentais representavam 10%, sendo somente um quarto fruto de divórcios. Esta percentagem estava relacionada sobretudo com países onde o divórcio continuava proibido, como o caso da Bélgica e do Luxemburgo, ou em países onde o divórcio tinha sido autorizado recentemente como o caso dos países mediterrânicos e da Irlanda. Em países como a Dinamarca, a Alemanha Federal, França, reino Unido, os pais sós representavam aí mais de 10% das pessoas que viviam com crianças a cargo. “ (perto de 20% na Dinamarca, de 25% nos estados Unidos), e entre estes pais sós contavam-se menos de 25% de viúvos ou viúvas e mais de 40% de divorciados (cerca de 70% na Dinamarca).” Pág.484

“Tal como as turbulências que afectam a fecundidade e a nupcialidade, o aparecimento deste novo regime da monoparentalidade aparece muitas vezes como a consequência e o sintoma de uma crise do modelo familiar “nuclear”, com papéis conjugais e parentais sexualmente muito diferenciados.” Pág  484
Família conjugal “nuclear”
Nos anos cinquenta, os discursos sobre a família celebravam (ou deploravam) o triunfo da família conjugal “nuclear”, reduzida ao triângulo pai-mãe-filhos, sobre a família patriarcal “alargada”, que se dizia, reunia outrora gerações e linhagens sob um mesmo tecto. A coabitação entre gerações e fratrias adultas já não era, de facto, a norma em muitas regiões desde o final da idade média, e o baby-boom teve sobretudo como efeito, num contexto de penúria de habitações, fazer aumentar o número médio de pessoas em cada lar: nos anos cinquenta, as famílias compostas pelo menos por três pessoas eram maioritárias em todos os países desenvolvidos.


Homens ou mulheres que vivem sós - o habitat “individual”
Nos anos 80, as famílias compreendendo apenas uma ou duas pessoas representavam mais de metade dos lares nos países escandinavos, na Áustria e na Suíça, na Bélgica e nos Países Baixos, em França, na Alemanha Federal e no Reino Unido. Não tendo a proporção de lares com duas pessoas variado nesses países, foi o habitat “individual” que se generalizou aí fortemente: Nos países ocidentais, um terço a um quinto dos lares, eram compostos por homens ou mulheres que viviam sós.
Segundo Nadine Lefaucheur, o aumento de pessoas em habitat individual deve-se, em larga medida, á não coabitação generalizada das gerações adultas, ao aumento geral da esperança de vida e á maior longevidade das mulheres.

A autora refere que, segundo inquéritos realizados em França, em 1985, a “conjugalidade não coabitante” tem um peso significativo. Entre as pessoas de menos de quarenta e cinco anos de idade, um quarto dos homens e um terço das mulheres que vivem sós mantêm uma relação amorosa estável.

Taxa de actividade em mulheres casadas
Segundo a autora, no final da década de setenta, no interior da OCDE, a taxa de actividade profissional das mulheres nos países escandinavos e anglo-saxónicos era a mais elevada: mais de 45% das mulheres com idade superior a quinze anos de idade.
Em 1985, a proporção das mulheres casadas com menos de cinquenta anos de idade que tinham uma actividade profissional ultrapassava os 55%, em cinco dos estados da Europa dos dez: “Alemanha Federal, Bélgica, Reino Unido, França e Dinamarca (país onde atingia 87%).” Pág. 485


“A família continua a passar bem” Pág.486
Em meados dos anos sessenta os índices começam-se a comportar agitadamente.
Apesar de algumas visões alarmistas sobre a evolução da “família”, muitos sociólogos afirmam que está tudo bem. Nadine Lefaucheur refere que, segundo os estudos, “as Alemãs Ocidentais se casam quando querem ter filhos, ficando em casa quando são mais jovens; refere que as Americanas coabitam pouco, se divorciam muito e que se voltam a casar com muita facilidade; em França, em meados dos anos oitenta, apesar do aumento dos divórcios, da coabitação e dos nascimentos fora do casamento, 83% dos jovens com menos de vinte anos eram filhos de pais casados e viviam com eles, enquanto que uma proporção equivalente dos homens e mulheres de trinta a cinquenta anos de idade estavam casados e não se tinham divorciado.” Pág. 486

Família/Trabalho/Dependentes
Segundo Nadine Lefaucheur, as análises feministas das últimas décadas deixam subentender que, detrás da subida das taxas de actividade profissional feminina, a mulher continua a dar prioridade à esfera doméstica e familiar, à criação dos filhos, aos cuidados a pessoas fisicamente dependentes, ao trabalho e à produção domésticos.
A autora refere que a focalização sobre os factores de perenidade da instituição familiar e da ordem sexual levam a não valorizar a dimensão das “transformações que, nos países desenvolvidos ocidentais, desde há um século, … afectaram a reprodução das populações e da sua força de trabalho.” Pág. 486


UM NOVO REGIME DA MATERNIDADE
Segundo a investigadora, as descobertas e os avanços tecnológicos e científicos efectuados a partir do último terço do século XIX transformaram os fundamentos tradicionais da divisão do trabalho e do poder entre os sexos, fazendo recuar a mortalidade, permitindo através do uso de anticoncepcionais, um maior controlo da natalidade e diminuindo consideravelmente a parte ocupada pela gestação e amamentação no ciclo de vida das mulheres.
Como iremos ver mais à frente, estas inovações foram determinantes na reviravolta da situação das mulheres fazendo com que elas deixassem de ocupar somente o espaço do lar e da maternidade a ele associada, passando a ter actividades fora dele, quer porque ficaram com mais disponibilidade de tempo, quer porque o mercado de trabalho se alargou e se transformou, permitindo a existência de espaço para o trabalho feminino.

Esperança de Vida
A esperança de vida cresceu visivelmente. Uma Francesa nascida em meados do século XVIII tinha, em média, menos de trinta anos à sua frente; um século mais tarde, tinha quarenta; nascida em 1930, eram-lhe prometidos sessenta anos, nascida em 1987, poderá atingir os oitenta anos.
Este alongamento de vida foi mais importante para as mulheres do que para os homens. Em 1950, em todos os países desenvolvidos, a esperança de vida das mulheres de trinta anos ultrapassava já, em média, três anos a dos homens.

Mortalidade
A diminuição considerável da mortalidade foi o motor daquilo que foi chamado transição demográfica: os casais dos países desenvolvidos, “ não sendo já obrigados a ter mais de cinco ou seis filhos para terem hipótese de ver dois atingir a idade adulta, puderam, quiseram e tiveram de limitar pouco a pouco a sua fecundidade, entrando num “novo regime” demográfico, caracterizado por uma fraca fecundidade.” Pág. 488
Métodos contraceptivos
A autora refere a importância para a evolução das sociedades desenvolvidas do birth control que teve início nos finais dos anos cinquenta, com a comercialização dos contraceptivos hormonais e dos dispositivos intra-uterinos, pensando-se, na altura, que se tinha o instrumento absoluto de controlo dos nascimentos.
Estes métodos, quando apareceram, provocaram e estiveram na origem da revolução das relações entre os sexos no que respeita à iniciativa e ao controlo da concepção e ao conjunto da vida sexual.
“Quando as mulheres utilizam estes métodos, os homens, pela primeira vez na história da humanidade, deixam de as poder expor contra a sua vontade ao risco de uma gravidez, e o seu próprio desejo de paternidade torna-se tributário da vontade de maternidade das suas parceiras.” Pág. 489, 490

A ciência contribuiu para a redução da taxa de mortalidade infantil e o uso dos contraceptivos, permitindo que a mulher não necessitasse de ter tantos filhos, na esperança de que alguns sobrevivessem, podendo passar a planear as suas gravidezes. Estes factores fizeram diminuir o tempo durante o qual a mulher se encontrava grávida.

Gestação e nutrição
Nadine Lefecheur faz referência à importância das novas tecnologias na alimentação dos bebés e ao facto de a sua comercialização permitir separar a gestação e nutrição. “Com a esterilização do leite animal, dos biberões e tetinas, e com o aperfeiçoamento do leite e dos alimentos industriais para bebés” a média de duração da amamentação diminuiu e foi possível alargar o leque de pessoas que podiam substituir a mãe na alimentação das crianças de tenra idade. É aqui que entra a “grande estreia histórica”, o pai pode substituir a mãe na alimentação do recém-nascido. Este acontecimento permite às mães uma maior liberdade podendo nesta altura desenvolver outro tipo de actividades, delegando esta importante tarefa de alimentar ao pai ou a outro adulto.
Welfare e trabalho de reprodução
Nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial registou-se, nos países capitalistas desenvolvidos, um forte crescimento económico. A par do crescimento económico foi crescendo, nestes países, embora de formas desiguais, o chamado Welfare. Este assumia a forma de Estado Providência procurando dar aos cidadãos bem-estar e segurança.
O Welfare era característico de um Estado moderno e, segundo Nadine Lefaucheur, foi o “motor do desenvolvimento da produção e do consumo de massa, o Welfare revolucionou o trabalho de manutenção e de arranjo da casa, tradicionalmente efectuado pelas mulheres no quadro doméstico.” Pág 491

Libertação da dona de casa
Habitação
A grave crise da habitação resultante da guerra provocou um crescimento do parque habitacional e a superfície média da habitação duplicou. Segundo a autora, em todos os países ocidentais, o universo doméstico teve enormes alterações.

A casa moderna compreende: cozinha, quarto de banho, quartos de dormir e sala, possui água canalizada no interior, saneamento básico, gás e electricidade para aquecimento e para a cozinha.

Mecanização do trabalho doméstico
Estas alterações de fundo permitiram suprimir muitas das tarefas domésticas mais sujas e mais duras “ (faina quotidiana de aprovisionamento de água, carvão ou lenha, de acendimento e vigilância do lume, de evacuação das cinzas, das águas sujas e dos excrementos)”. Com o aparecimento dos electrodomésticos a mulher ficou com muitas das tarefas mecanizadas, o que igualmente lhe tirou muito do trabalho doméstico.
Com o aparecimento de produtos e matérias “modernas” – as conservas e produtos semi-preparados, congelados, detergentes e produtos como o papel higiénico, fibras e têxteis novos, etc., assim como o facto de muitos serviços passarem a ser feito fora de casa, como a confecção de vestuário, a preparação ou o serviço de refeições, a mulher começou a ter a vida mais facilitada e a ganhar tempo e espaço fora do espaço doméstico.

Capital muscular/capital intelectual
“Enquanto o “Welfare” entrava, assim, no lar e empurrava a dona de casa para fora dele, a lógica “industrial” da afectação prioritária dos homens aos trabalhos assalariados “pesados” e das mulheres ao trabalho do lar estava, por outro lado, minada pelas modificações que o sector terciário e o uso da automatização e da informática introduziram nas características da mão-de-obra que o mercado de trabalho “pós-indústrial” exigia.” Pág 494

Com efeito, se o “capital muscular” procurado nas primeiras fases da industrialização exigia uma reconstituição quotidiana, e se o trabalho que esta necessitava podia muito bem ser delegado em outrem, particularmente no quadro doméstico, o mesmo não acontecia para o “capital intelectual”, doravante privilegiado.
A autora refere a importância do contexto sócio-cultural da família na aquisição deste capital intelectual, pois pressupõe-se que seja adquirido antes de entrar no mercado de trabalho, é suposto que a família desempenhe o seu papel cultural e intelectual. Ora o papel de educadora cabe à mulher, mãe.

Colectivização do trabalho de reprodução
Sistemas de protecção social
Em meados dos anos oitenta, na comunidade Europeia a escolarização a tempo inteiro estava bastante generalizada a partir dos três anos de idade. Antes desta idade não havia empenho por parte dos estados em cobrir esta faixa etária, fazendo com que estas mães estivessem presas unicamente à maternidade e ao trabalho doméstico.

Também, as pessoas idosas que estavam a cargo das mulheres, deixaram, no mundo ocidental de ser um “peso” embora a idade média de vida tivesse aumentado significativamente, registou-se uma generalização das pensões de reforma, permitindo o recurso a serviços externos de apoio, como os lares e apoio ao domiciliário.
Nadine Lefaucheur refere que, “este aligeiramento e esta colectivização parcial do trabalho de socialização, de guarda e de cuidados ás gerações dependentes, que incumbia às mulheres no âmbito da actividade doméstica e limitava fortemente, em certos períodos do ciclo de vida familiar, a sua disponibilidade para o mercado do trabalho, permitiram-lhes assim manter-se neste mercado de um modo mais contínuo e abriram-lhes igualmente empregos e carreiras.” Pág. 496

“Casadas” com o Estado Social?
O Estado Social proporciona às mulheres a alternativa a certos tipos de cuidados que até então eram obrigadas a assegurar, como no cuidado dos filhos e dos idosos, permitindo-lhes desempenhar estas tarefas fora do território do lar, em instituições colectivas que lhes pagavam por um trabalho que anteriormente faziam mas não era pago.
Esta situação faz que alguns autores digam que as mulheres se casaram com “Estado-marido”, pois este passou a assegurar as suas necessidades financeiras e de socialização dos mais novos e dos mais velhos.

A colectivização do trabalho de reprodução, segundo Nadine Lefaucheur, caracterizado pela intelectualização, faz com que a associação conjugal e a sua perenidade, percam “amplamente as suas bases funcionais”, sendo “cada vez mais fundamentadas e legitimadas pelo sentimento do amor e pela atracção sexual e, portanto, cada vez mais “privadas” e precárias”. Pág. 497
A relação de interdependência gerada entre o Welfaire e as mulheres, não permite fazer face no que se relaciona à dissolução do vinculo conjugal. Segundo a autora, “Um grupo de países ocidentais é caracterizado, deste ponto de vista, por um forte risco de pobreza associado à monoparentalidade e por uma protecção muito fraca relativamente a este risco.” Pág. 500

Parece muito relevante e conclusivo o último parágrafo do trabalho de Nadine Lefaucheur. Aqui, ela faz referência às alterações que o Welfaire trouxe à vida das mulheres, mas que, por outro lado, não as “libertou” completamente da dependência que a conjugalidade ainda tem. A separação conjugal pode conduzir à monoparentalidade e a esta está associado, um pouco por todo o mundo ocidental, um elevado risco de pobreza a que ficam sujeitas as mulheres e as suas famílias.
Embora esse risco tenda a diminuir em países em que o Estado Social se mostra mais atento aos fenómenos da monoparentalidade, como no caso da Suécia, outros há que a protecção social é muito precária, fazendo com que as famílias monoparentais caiam na pobreza ou que corram sérios riscos de lá chegarem.

 “Do seu casamento com o Welfare, as mulheres ocidentais, empregadas ou clientes, estão bem longe de alcançar as mesmas possibilidades de autonomização relativamente ao vínculo conjugal e o mesmo grau de protecção face ao risco de pobreza associado à sua dissolução.”…” se, segundo a perspectiva aqui adoptada, os fundamentos tecnológicos e económicos das relações entre os sexos foram abaladas, no decurso da segunda metade do século XX e no conjunto dos países desenvolvidos, pelo aparecimento de um novo regime de reprodução das populações e da sua força de trabalho, a história e o conjunto das relações entre grupos sociais modelam, particularmente através das diferentes legislações do Welfare, as figuras diversas segundo as quais este abalo se traduz na vida dos homens e das mulheres de cada país – e de cada classe social.” Pág. 503


Conclusão
Nadine Lefaucheur argumenta que a nova concepção de socialização promovida pelo Estado Social, modificou consideravelmente a relação das mulheres com o mercado de trabalho, tanto no espaço doméstico como também no espaço público.
À medida que a mecanização das tarefas domésticas e a  do trabalho de reprodução se foi verificando, passou a ser permitido à mulher sair para trabalhar, embora sobretudo nas mesmas esferas de actuação do espaço doméstico, a educação, o cuidar de crianças, idosos e dependentes, ou em tarefas que não exigiam “músculos”.

O facto de o estado assumir a responsabilidade da protecção social de grupos menos favorecidos, encontrando-se neste caso as mulheres, crianças e idosos, permitiu que a mulher ficasse mais liberta para o trabalho fora de casa.

Não há dúvida que a industrialização teve um grande papel na libertação e autonomização da mulher na sociedade, criando um novo modelo de relações familiares e de entre-ajuda. Por um lado permite cada vez mais à mulher ocupar espaços que até então lhe eram vedados e por outro faz com que o homem de igual modo venha a ocupar dentro de casa o espaço que era exclusivo da mulher.

Esta mudança nos papeis sociais que tradicionalmente caracterizavam o que era próprio do masculino e do feminino, faz-nos repensar todo o modelo sócio-familiar, pois nele se vai reflectir as ocupações profissionais e ou outras da mulher e do homem, exigindo uma grande capacidade de adaptação ao que é novo e portanto à mudança.

Bibliografia

LEFAUCHEUR, Nadine, “Maternidade, Família, Estado”, in DUBY, Georges, PERROT, Michelle (dir.), História das Mulheres no ocidente, vol.5, THÉBAUD, Francoise (dir.), O Século XX, Porto, Ed. Afrontamento, 1995, pp. 479-503

http://www.bluets.org/article.php3?id_article=131

http://www.ined.fr/rencontres/seminaires/famille/151099.htm

http://www.lsp.umontreal.ca/revue_redact_FR.html

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