A dor da criação

Os filhos só surgem depois de materializadas algumas das muitas condições económicas instituídas pela sociedade capitalista para que a mulher disponibilize o seu corpo e mente para a maternidade.
O mundo do trabalho idealizado pelos e para os homens não encaixa na natureza feminina. A partir do momento que a mulher entrou em competição com o homem num mundo que lhe era estranho a maternidade por ser um atributo ausente do mundo masculino, passou a ser relegada pelas sociedades capitalistas para uma invisibilidade no espaço e no tempo. É vista como algo que já que tem que ser, seja!..., mas que seja rápida e não traga muitos transtornos ao normal funcionamento do mundo do trabalho dos homens.
Homens e mulheres em situação de chefia ou de poder tratam a mulher grávida como um ser de segunda que não se encontra em condições plenas de competir no mundo de trabalho de igual para igual e portanto este momento em que a criação, a gestação eu diria mesmo que o divino se manifesta na crosta terrestre é vivido pela mulher e pelo homem como algo inevitável do qual não puderam fugir, pois ambos têm esse desejo de reprodução entranhado por debaixo dos fatos cinzentos, impossível de fugir.

O mundo do trabalho e o caminho que as sociedades mercantilizadas seguem não deixa espaço para a mulher mãe. A maternidade passou a ser vista como algo secundário na vida das famílias. O trabalho fora de casa, lado a lado com os homens é colocado na dianteira da dignificação da mulher. Não raro é ver ridicularizada e desvalorizada a mulher que por opção decide priorizar a maternidade em detrimento da sua profissão fora de casa. Essa mulher é hoje em dia incompreendida e desvalorizada pelos seus pares e pelos homens, que a vêm como uma tonta sem capacidades intelectuais de integrar o mundo do trabalho no modelo masculino imposto.
As mulheres quando se integraram no mundo do trabalho masculino, não encontraram espaço de tempo físico ou psicológico para algo que lhe é inerente pela sua natureza e absolutamente necessário para a criação da humanidade.
O gerar filhos para as mulheres, que são cada vez mais masculinizadas, deixou de ter espaço nas suas mais longas vidas. A concepção é vista e sentida como algo que dificulta e retira o tempo necessário para o sucesso profissional e a um suposto bem estar associado à condição masculina.
A dor de dar à luz, os vómitos da gravidez, o incómodo do ciclo menstrual, todas elas expressões do feminino mais essencial, da sua dimensão sagrada e criadora da humanidade. Vistos à luz do olhar masculino são vistos como meras manifestações que causam transtorno à mulher assim como quem vive ao seu redor. São expressões vividas coo o sentimentos de que todo(a)s nos livraríamos delas se pudéssemos, pois são geradoras de mal estar.
Sim, no mundo masculino não há espaço temporal ou mesmo psicológico para a concepção criativa, para a génese e deste modo estas são expressões humanas, ou mais propriamente, femininas, inexistentes e ou marginalizados pelas sociedades que vivem focalizadas na produtividade que a industrialização e posteriormente o capitalismo nos remete.
A criação, a gestação, pertence à dimensão feminina, vista por algumas pessoas como privilégio e entendido por outras como uma vulgar, “chatice”!...

A dor profunda que pressentimos pela vida fora, nasce e morre connosco, é uma prenda que temos que carregar na nossa vida!... Render-mo-nos a ela?...nunca!...pois junto e com ela está o amor. A nossa incapacidade de o atingir na plenitude é o que nos provoca esta uma dor profunda. Saudades de algo que sabemos existir, que conhecemos, mas que não reconhecemos nesta vivência humana...
A.M.F.M.