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EXPRESSÕES CULTURAIS
JOÃO RATÃO de Jorge Brum do Canto
Data: 18-12- 05
Ana Maria Ferreira Martins
INDICE
Introdução………………………………………………………………................... ...….3
I - Enquadramento histórico do filme…………………………….........…….4
· Comédia populista…………………………………...…..…............6
II - Nota biográfica do realizador……………………………........…………..7
III - Análise do filme …………………………………………………….............….9
· Análise e caracterização dos papeis femininos……....12
· O Perfil das mulheres do filme……………………….............15
Conclusão…………...................……………………………………………………….....17
Bibliografia……………………………………………………………….....................…18
Introdução
A escolha deste filme foi meramente acidental. Depois dos colegas já terem escolhido os filmes mais conhecidos do grande público, surgiu a curiosidade de ver o que estava por detrás deste título, João Ratão. Embora, o nome nos remeta para uma conhecida história popular, o filme não se relaciona em nada com a conhecida história do João Ratão e da Carochina.
É um filme realizado em 1940 por Jorge Brum durante o regime de Salazar.
Tratou-se de uma surpresa interessante. É um filme agradável de se ver. Uma história de amor entre dois jovens. O rapaz parte para a guerra em França, deixando para trás a noiva e o local onde nasceu, uma aldeia do norte de Portugal.
Toda a aldeia anseia por notícias do jovem que partiu para a guerra. No final da primeira grande guerra, ele retorna à sua aldeia e é recebido como um herói. Tratando-se de uma história de amor, a sua noiva espera-o cheia de saudades e a alegria invade os corações de todos os habitantes da aldeia.
No entanto, esta história de amor, é assombrada pela aparição de uma falsa francesa, que diz ter tido um envolvimento amoroso com o herói, do qual nasceu um filho. Esta história só é desmentida mais tarde pela própria autora da mentira, que foi paga por dois homens, invejosos da popularidade de João Ratão junto de algumas mulheres, cobiçadas da aldeia e pela vinda do tenente de João Ratão, que desmente tal ter acontecido.
A história acaba com dois acontecimentos cheios de glória: João Ratão salva a sua amada de morrer afogada e casa com Vitória.
O enredo amoroso, aparentemente simples, contém símbolos claros e inequívocos da ideologia do Estado Novo e da maneira como os papeis do homem e da mulher são vistos na época. Aspecto abordado no ponto III deste trabalho.
Este trabalho tem um objectivo geral, que é o de analisar e caracterizar, o papel das mulheres no contexto do enredo do filme. Foi necessário fazer o enquadramento histórico do mesmo, assim como uma breve biografia do seu realizador, para que melhor se entendesse o contexto político social em que se realizou.
I - Enquadramento histórico do filme
Em Novembro de 1896, foram projectados no Porto os primeiros filmes do comerciante e fotógrafo amador Aurélio da Paz dos Reis, inaugurando o cinema português com curtas tentativas documentais, entre as quais se destacaram também, até 1908, as de Maria da Costa Veiga.
Em 1910, a República trouxe nova vitalidade, superando carências de equipamento e laboratoriais: João Freire Correia foi o exemplo dessa evolução, com a Portugália Filme. Um ano depois, surgiu o primeiro filme longo de ficção, Os crimes de Diogo Alves, de João Tavares.
Na década de 1920, sobressaiu uma empresa do Porto, a Invicta Film, com a transposição dos clássicos da literatura, sob a direção do francês Georges Pallu e do italiano Rino Lupo.
Em 1926, foi instaurado o estado novo e só depois do 25 de Abril de 1974, foi possível abolir a censura política.
Tal como aconteceu com os regimes nacional-socialista e fascista de Hitler, Mussolini e Francisco Franco, o Estado Novo em Portugal viu no cinema um instrumento fundamental de propagação do regime. Era uma forma de transmissão directa ao povo dos conceitos e imagens sobre os quais assentavam os pilares da ideologia do regime.
Era a utilização da propaganda como forma de consagração no estrangeiro e integração dentro do território nacional, formando os espíritos de acordo com a visão dos seus líderes. É nesta linha que surge a grande obra de referência de ficção cinematográfica ao serviço da propaganda salazarista. Após o documentário Fogos Reais na Escola Prática de Infantaria, António Lopes Ribeiro, é incitado por António Ferro, responsável pelo sector da cultura do Estado Novo, a realizar um filme comemorativo dos dez anos do regime implantado a 28 de Maio de 1926. Produzida pelo Secretariado de Propaganda Nacional, a película, chamada A Revolução de Maio (1937) teve argumento de António Lopes Ribeiro e António Ferro (usando respectivamente os pseudónimos de Baltasar Fernandes e Jorge Afonso) e só veio a estar pronta a ser exibida mais dum ano depois da data que se havia desejado para a estreia.
Este filme mostra imagens do discurso de Salazar em Braga, filmadas um ano antes, no décimo aniversário da instauração da Ditadura Nacional. Inspirado na escola soviética, que conheceu em 1929, a combinação de ficção e documentário é o final, algo épico, do filme, onde um comunista que se encontrava exilado volta a Portugal e se converte ao regime. Isto depois de conhecer as suas obras e uma bonita rapariga, perante o olhar paternalista da polícia secreta. O enredo e as filmagens são, vistas hoje, quase inocentes na sua simplicidade, o que resulta em alguma eficácia. Não entusiasma o público, na época mais voltado para as comédias, apesar da publicidade e do próprio Salazar ter assistido à sua estreia. É um dos raros exemplos de cinema puramente propagandístico feito em Portugal.
Luís Torgal escreve que "como nos outros países, a propaganda passava no Estado Novo muito especialmente em forma de documentário, que, através da dita informação, procurava engrandecer a obra de Salazar no domínio das obras públicas, a “menina dos olhos” do regime, mas também do fomento agrário e industrial. Divulgava os grandes actos da vida cívica, política e cultural, tais como visitas presidenciais, manifestações de apoio ao regime, festas militares, comemorações, exposições, etc.". É assim que se divulga as imagens do regime através de criações como o Cinema Ambulante, a partir logo dos anos 30 ou, mais tarde, nos anos 50, com a Campanha Nacional de Educação para Adultos, que utilizou o cinema em larga escala.
O SNI cumpria a sua missão, já que, como refere Jorge Campos, "o aparelho propagandístico deveria socorrer-se, trabalhando sobre as várias linguagens e técnicas em uso, de todas as formas utilizadas na produção dos bens culturais". Neste caso, as imagens cinematográficas, os documentários, eram vistos pelas camadas populares, como algo totalmente real, indiscutível, nunca como um ponto de vista pré-determinado.
Heloísa Paulo, em "O cinema sobre o olhar de Salazar" aponta que "com a proliferação de documentários sobre o Estado Novo, uma nova geração pode assimilar (...) algumas curtas-metragens de propaganda e identificá-las com o regime, como é o caso, por exemplo, das cenas da Exposição do Mundo Português, de 1940, ou ainda da própria figura de Salazar".
O ano de 1948 foi decisivo para a nossa precária indústria artística, graças à publicação da Lei Nº 2027 - de protecção ao cinema nacional. Com o final da década, deixaram de trabalhar regularmente os realizadores consagrados a partir da transição para o sonoro, e que haviam constituído uma primeira geração efectiva e determinante. Ascenderam à direcção os seus antigos assistentes, mais como sobrevivência profissional do que por vocação artística.
Em 1955, foi criada a Radiotelevisão Portuguesa/RTP, e decorreu em Coimbra o I Encontro Nacional de Cine-Clubes. Um ano depois, separaram-se a Tobis Portuguesa (estúdios e laboratórios) e a Lisboa Filme (distribuição), enquanto Eduardo Brazão - responsável pelo Secretariado Nacional da Informação/SNI - realçou a importância do formato reduzido (16 mm).
Em 1958, a Cinemateca Nacional iniciou actividade pública.
Em 1961, realizou-se o I Curso de Cinema do Estúdio Universitário de Cinema Experimental - sendo coordenador António da Cunha Telles - o qual lançaria uma nova geração de realizadores.
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Comédia populista
As comédias eram, apesar do desdém a que as votou António Ferro, responsável pela cultura durante o Estado Novo, um lugar seguro para o regime. Como refere Armindo Baptista de Morais, em "O Estado Novo, das origens ao fim da autarcia": "Em 1350 filmes rodados na Alemanha Nazi, mais de 1200 foram comédias e musicais cujo teor ideológico ortodoxo se aliava ao uso de grandes estrelas do gosto do público”.
Entretanto, a época áurea da comédia contou com o talento e a experiência dos grandes autores teatrais, da revista, usando e expandindo a popularidade dos maiores artistas em palco (Vasco Santana, Beatriz Costa, António Silva, Maria Matos) - a que a marca de Arthur Duarte forneceu o estilo dum estrelato à americana, logo a partir do culto radiofónico (Milú, Óscar de Lemos, Maria Eugénia, Fernando Curado Ribeiro). Cada vez mais, o fenómeno cinematográfico adquiriu expressão cultural, económica e sociopolítica. Em 1944, o Secretariado Nacional da Informação/SNI instituiu os prémios oficiais.
Outros filmes de ficção, menos óbvios, também cumpriam o seu papel, como " Camões", realizado por Leitão de Barros em 1946, e " O Pátio das Cantigas", de Ribeirinho, realizado em plena II Guerra Mundial (1943), e onde se vê um berço chamado de "Salazar".
O Pai Tirano (1941), do próprio Lopes Ribeiro, é, para muitos, a mais perfeita das comédias portuguesas, uma feliz combinação de teatro e cinema, com um humor que tem resistido ao passar do tempo.
A nova década celebrou a comédia de costumes ou musical: O Pai Tirano (1941) de Ribeiro, que produziu O Pátio das Cantigas (1942) do irmão Francisco Ribeiro/Ribeirinho; O Costa do Castelo (1943), A Menina da Rádio (1944) e O Leão da Estrela (1947) de Duarte. Consagraram-se as vedetas histriónicas (António Silva, Vasco Santana, Maria Matos, Ribeirinho).
II - Nota biográfica
Jorge Brum do Canto (1910-1994)
Jorge Brum do Canto nasceu a 10 de Fevereiro de 1910, em Lisboa, na Rua Renato Baptista, ao Intendente. Descende de famílias nobres madeirenses e açoreanas descendentes de nobres estrangeiros: Brum continua a linha Belga flamenga de Wilhelm van der Bruyn e Canto descende do Inglês John of Kent. Guilherme de Brum casa na Madeira com D. Violante Vaz Ferreira Pimentel, família que deu descendência pelas ilhas açoreanas, nomeadamente no Faial.
Começou muito jovem a interessar-se por cinema, constando ter escrito a sua primeira crítica aos nove anos de idade. Em 1925, com quinze anos, estreou-se no cinema como ator, desempenhando um pequeno papel no filme “O Desconhecido, “de Rino Lupo. Entre 1927 e 1929 foi crítico do cinema no jornal Século, começando, entretanto, a frequentar o curso de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, que não viria a completar.
Data de 1929, a sua primeira obra como realizador, “A Dança dos Paroxismos”, um inovador exercício fílmico influenciado pelo vanguardismo francês.
Na década de 30 combina a colaboração em várias revistas de cinema (Cinéfilo, Kino, Imagem) com a atividade de documentarista.
Em 1938 estreia-se na longa-metragem com um filme de grande pendor naturalista, rodado na ilha de Porto Santo: “A Canção da Terra” conquistou a crítica com a sua exemplar montagem e com a força telúrica das suas imagens e conquistou um lugar especial na história do cinema português pela modernidade e pelo rigor da realização.
Segundo Alcides Murtinheira, criou-se uma certa expectativa em torno do trabalho de Jorge Brum do Canto que mais tarde viria a ser defraudada, pelo convencionalismo de alguns dos seus trabalhos.
Em 1940 realiza "João Ratão", baseado numa opereta homónima de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos, que fizera sucesso nos palcos lisboetas e que tratou um tema esquecido pelo cinema sonoro (a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial)
Em 1943 realiza, “Fátima, Terra de Fé”, sobre a conversão dum académico ao catolicismo, e “Um Homem às Direitas” (1944), sobre o herdeiro duma família rica que envereda pelo caminho da marginalidade. Estes dois filmes assumem um carácter moral ou a pouca criatividade dos argumentos e da realização não ajudam a fortalecer.
“Ladrão, precisa-se!” (1946) é uma curiosa incursão no "music-hall", obviamente distante, pela falta de toda uma série de requisitos técnicos e artísticos, do modelo "hollywoodiano" em que se baseia, mas interessante por fugir ao esquema da comédia musical "à portuguesa" e bastante conseguido do ponto de vista da montagem.
Em 1953, após alguns anos sem filmar, Brum do Canto assina um filme assumidamente colonialista, de que é também um dos intérpretes: “Chaimite”. Trata-se da reconstituição de Moçambique de fins do séc. XIX no período das campanhas de pacificação levadas a cabo pelos Portugueses para dominarem as tribos vátuas.
Depois de quase uma década de inatividade cinematográfica, assina em 1962 uma adaptação convencional da obra “Retalhos da Vida dum Médico”, de Fernando Namora. É ainda de forma convencional que passa a filme um conto de David Mourão-Ferreira: “Fado Corrido” (1964) assinala o regresso ao cinema de Amália Rodrigues, numa interpretação premiada.
Em 1967, realiza “A Cruz de Ferro”, sobre um conflito em torno da irrigação de terras de duas aldeias vizinhas de Trás-os Montes, demonstrando grande rigor técnico e excelente direção de atores (o próprio Brum do Canto faz parte do elenco, o que também se verificara em “Chaimite” e “Fado Corrido”).
O seu último filme, “O Crime de Simão Bolandas” (1984), baseado numa obra de Domingos Monteiro, estreia num período que parecia de vitalidade para o cinema português (quatro novos filmes em exibição simultânea) e não consegue fugir a comparações que lhe são desfavoráveis, face a um modelo narrativo e a uma estética pouco consentâneos com a realidade cinematográfica dos anos 80.
Morre a 7 de Fevereiro de 1994.
"A frase que costumo empregar e que, a bem dizer, se me afigura retratar-me com exatidão é a seguinte: - Gosto muito de gostar, não gosto nada de não gostar e acho que é mal empregado desperdiçar-se em não gostar o pouco tempo de vida que temos para gostar." Jorge Brum do Canto (1965)
III - Análise do filme
João Ratão
Realizador: Jorge Brum Do Canto
Interpretes: Óscar de Lemos, Maria Domingas, António Silva, Manuel Santos Carvalho, Teresa Casal, Costinha, Álvaro de Almeida, Filomena Lima, Aida Ultz, António Maia.
João Ratão foi realizado em 1940, funcionando quase como um aperitivo para as produções mais sonantes daquela grande época do cinema português, como O Pátio das Cantigas (1942), O Costa do Castelo (1943), A Menina da Rádio (1944) ou O Leão da Estrela (1947).
Este filme surge em pleno Estado Novo, vésperas das grandes produções de propaganda política que disseminavam, de terra em terra, as linhas mestras da ideologia fascista.
Estão presentes, neste filme, elementos claramente veiculadores da política salazarista: A Pátria, Deus e Família. Em última análise, passa a ideia de um homem -. herói e de uma mulher paciente que espera saudosa e tristemente que o seu noivo volte da guerra.
O filme mostra alguns costumes populares, entrosados por conflitos românticos. Explora a comédia musical e dá relevo a um acontecimento histórico, um raro exemplo da participação portuguesa na I Grande Guerra, única aliás em representação ficcional.
Para tal, foram construídos - nos estúdios da Tobis Portuguesa - um abrigo subterrâneo, uma trincheira e as linhas alemãs, por soldados do exército sob orientação de oficiais.
Esteve dez semanas em cartaz, após estreia no São Luiz, em Abril de 1940. O que parece ter sido um sucesso para a época.
João Ratão é um dos muitos jovens portugueses mobilizados para combater na I Guerra Mundial, na batalha da Flandres. Para trás, na sua aldeia do vale do Vouga, João Ratão deixou a sua noiva, Vitória, com quem troca apaixonadas
cartas de amor, partilhadas com todos os seus vizinhos, que para mais o consideram um herói. Quando a guerra acaba e regressa a casa, é recebido com uma grande festa, apenas perturbada pelas histórias (mentirosas) que chegam de França e que ameaçam o seu noivado com Vitória.
O nosso João Ratão, quando a história se inicia, encontra-se em França, integrado no CEP (Corpo Expedicionário Português).
Enquanto sabemos que a figura central do filme se encontra nas trincheiras, vamos conhecendo as outras personagens, as figuras mais destacadas da aldeia rural. Há as fidalgas e o povo. Nas primeiras, destaca-se Manuela, que é na realidade quem escreve as cartas que Vitória envia ao noivo. De entre os plebeus, Teutónio, pai de Vitória, distingue-se. Existem também os invejosos, que suspiram pelos amores respetivamente de Manuela e Vitória, e que se sentem incomodados pelos sentimentos que o herói da aldeia suscita no coração das senhoras.
Um dia, como sempre sucede, a guerra acaba, e João Ratão volta para casa, tendo por objetivo casar com Vitória. Alguns rivais, preparam-lhe um plano para denegrir a sua imagem de herói. Depois de ouvirem João Ratão gabar-se das suas conquistas amorosas por terras de França, contratam uma artista de circo para aparecer pela aldeia alegando que está noiva de João Ratão, e, melhor ainda, é mãe de um filho dele.
No final toda a mentira é desmascarada e Vitória reconcilia-se com o herói. Os maus são devidamente punidos, Vitória e João Ratão casam-se e Manuela encontra o seu amor na pessoa do Tenente Resende que vem à aldeia visitar o seu antigo comandado.
Apesar de estarmos em plena segunda guerra mundial e este filme abordar pela primeira e única vez a participação de Portugal na primeira guerra, não se percebe muito bem a sua intenção. Estamos perante um dos filmes politicamente mais corretos da época. Há as fidalgas e os plebeus, e, apesar do seu interesse por João Ratão, a fidalga Manuela acaba por compreender que o seu lugar não é ao lado de um rústico, mas sim de um homem da sua posição, um oficial do Exército.
O elemento do povo é heróico, bem verdade, mas ao povo pertence e deverá continuar a pertencer.
Um aspeto digno de nota é a associação que inequivocamente se faz dos três pastorinhos que aparecem por varias vezes no filme, ao fenómeno de Fátima. Quando Vitória se encontra em dificuldades no rio: ajoelham-se para rezar, e pouco depois tudo acaba bem. Uma mensagem de ato-consequência rica de significado à luz do longo pacto entre Estado e Igreja.
Da análise realizada, fica a ideia que não se trata de um filme de modo nenhum inocente como se pretende passar. Nele estão contempladas mensagens claras de modelos de comportamento. Faz alusão clara ou simbólica à igreja (termina com um sacerdote em grande abençoando dois matrimónios), o casamento e o papel da mulher no mesmo. Estratifica as classes sociais, podendo-se identificar claramente grupos de pertença.
Análise e caracterização dos papeis femininos
A análise realizada do papel da mulher será, naturalmente, feita em contraposição ao papel masculino no enredo do filme.
Os homens aparecem quase sempre ligados ao espaço exterior e ao trabalho, todos os homens que aparecem têm uma profissão. O carteiro, o ferreiro, os comerciantes e os lenhadores. Para além das profissões aparecem os cargos de regedor e do registo civil.
As únicas mulheres que aparecem no filme com uma “profissão” definida são as mondadeiras, quando Vitória aparece feliz a cantar e dançar por entre as searas, e a mulher que trabalha no Circo e que se faz passar pela francesa com quem João Ratão terá tido um caso durante a guerra.
As Fidalgas, por natureza, não trabalham, aparecendo sempre em situações de lazer, ou tomando um papel muito ativo e de liderança, aquando na organização da festa em honra de João Ratão.
A personagem masculina de João Ratão é envolta numa áurea de heroicidade, aparece-nos como militar vitorioso e, mais tarde, como trabalhador no abate de árvores no rio Douro; a imagem feminina de Vitoria nunca surge associada a nenhuma profissão, ou mesmo, a outra situação que não seja a de noiva e apaixonada de João Ratão. Tudo o resto, se existe, o filme, não deixa transparecer.
O facto de as mulheres no filme nunca aparecerem ligadas a nada mais que às emoções em volta do Herói e à organização da festa de receção ao mesmo, faz com que os atributos que possa caracterizar os seus papéis seja menos vasta e rica que os dos homens, que surgem, não só ligados a esta trama central, como também a profissões e cargos.
A primeira vez que a atriz principal aparece, surge em casa assomando-se a uma pequena janela de pedra, quando o seu pai a chama para receber a carta do seu noivo.
Os momentos musicais que surgem durante o filme têm um elemento comum: a saudade. Os restantes elementos fazem uma divisão clara entre o que é supostamente atributo do homem e da mulher.
Enquanto a saudade surge no masculino, associado à pátria, à Terra e ao lar, no feminino a saudade tem a ver com a espera do homem desejado.
A canção de João Ratão é cantada em ambiente de guerra e de tristeza, a de Vitória é envolta num ambiente campestre, bucólico, onde surgem flores, crianças, pássaros a cantar e ela está muito feliz e alegre, por o seu noivo estar de volta.
Na canção de João Ratão, aparecem-nos conceitos como: Glória, Pátria, Amor, Lar, Dever e alusões a Portugal, bandeira nacional, Virgem Maria, e às colónias portuguesas, “Mundos que descobriu”.
O momento musical de Vitória, é pobre de conceitos. Surgem-nos imagens associadas ao amor ausente, ao desejo, “morro de desejo”, à ternura e fala-se de Primavera, flores, beijos e de um segredo, que surge como refrão várias vezes, “um segredo terno, que sei, mas não digo”, ficando no ar que segredo será esse.
Vitoria é a imagem de mulher crente em Deus, que se ajoelha e reza para agradecer, cumprindo promessas de lenço na cabeça, fazendo uma alusão à imagem de Nossa Senhora.
O ato de tirar o lenço surge associado ao seu momento musical onde, numa atitude quase infantil, pula, dança e canta livre pelos campos. Porem, neste momento, também aparece a imagem de Vitória associada a alguma sensualidade.
A ligação entre a menina Manuela e Vitória, embora próxima e de alguma forma mostrando alguma cumplicidade, toma consistência ao redor das cartas de João Ratão.
A maneira de se vestirem, de se movimentarem e de ser, não tem nada em comum, A fidalga apresenta-se de calças de montar, ou vestida e penteada com classe e distinção, enquanto Vitoria aparece quase sempre de lenço na cabeça, sempre com o mesmo penteado e de vestidos de chita rodados, muito semelhantes às mulheres do povo.
Vitória aparece-nos meiga, terna, sempre disposta a perdoar e muitas vezes chorosa, enquanto Manuela se apresenta decidida, atrevida e pronta a provocar situações de embaraço.
Curiosamente, as mulheres fidalgas aparecem-nos como cultas. Para além de saberem ler e escrever, têm dotes poéticos e sabem de filosofia. D. Carolina, a “fidalga velha” faz alusões a Platão e a “menina Manuela” tem dotes de escritora e ou poetisa. Vitória, noiva de João Ratão, embora pertencendo a outra classe social, sabe ler e escrever, algo não muito comum nos anos 40, entre os elementos do povo. Contudo, não reúne os dotes literários da fidalga Manuela. A mãe de João Ratão, Rosa, não sabe ler.
É curioso o papel das fidalgas neste filme como um grupo unicamente feminino. Não existem fidalgos neste filme. A ausência de elemento masculino não deixa de ser surpreendente, pois a elas é conferido o poder máximo dentro daquela comunidade. Estatuto que lhes é conferido pela riqueza de que dispõem.
Durante o filme não se fala se a “fidalga velha” é viúva ou solteira, não se lhe conhecendo filhos ou filhas, aparecem simplesmente duas sobrinhas sempre a seu lado.
Assim, o papel da mulher e, sobretudo, da mulher sem marido, aparece neste filme estranhamente valorizado pelo papel decisório e de liderança que desempenha na trama do filme.
Inclusivamente assiste-se à fidalga mais velha a rejeitar a proposta de casamento de dois pretendentes, sendo um ferreiro e outro comerciante. Talvez esta situação tenha ver com o facto de manter a separação entre as classes sociais. Uma fidalga, embora sozinha nunca se deverá casar com homem de inferior condição. Assim como Manuela, a fidalga mais nova, acabou por desistir de João Ratão e casar com o verdadeiro autor das cartas de amor, um oficial.
Um dos argumentos utilizados pelo comerciante quando pretendia declarar-se e seduzir D. Manuela, a fidalga mais velha:
“ O homem é uma máquina que tudo puxa. A mulher é uma carruagem, os filhos o vagões”
Aqui fica a mensagem clara do modelo de família do Estado Novo.
O Perfil das mulheres do filme
Vitória – Noiva de João Ratão, apresenta-se como uma jovem de 19 anos, filha de um regedor, que gosta que o conheçam por Tiutónio Ferradura.
Está apaixonada e, portanto, o seu papel é o de uma jovem romântica que vive na esperança que o seu noivo volte da guerra.
Quando isso acontece, ela cumpre uma promessa de acender uma vela a um santo, ajoelha-se e reza com um lenço na cabeça fazendo lembrar a imagem de Nossa Senhora.
Depois de cumprir a sua promessa, tira o lenço e corre pelas searas, cantando uma canção de amor, onde frases como “ Morro de desejo” e “Saudade” estão presentes.
Zanga-se com João Ratão quando o houve a falar de uma Mariette que conheceu em França, mas logo faz as pazes, parecendo não dar importância ao sucedido.
Durante o filme aparece-nos ora feliz ora triste e dececionada com a hipótese de João Ratão ter tido outra mulher, Francesa, aquando da guerra.
Mostra sentimentos nobres ao perdoar a falsa Francesa que supostamente tem um filho de João Ratão.
Com frequência se mostra chorosa e frágil.
Menina Manuela - É sobrinha da “fidalga Velha” e aparece-nos como uma mulher elegante, desportiva, autónoma e decidida.
Durante o tempo que escrevia as cartas de Vitória para João Ratão foi-se envolvendo pessoalmente na história, parecendo também apaixonada pelas belas palavras com que aquele respondia à sua amada.
Durante um baile seduz descaradamente João Ratão. Mais tarde, vem a conhecer o Tenente que escrevia as cartas de amor para Vitória e apaixona-se pelo verdadeiro autor das mesmas.
Esta é a personagem feminina que se mostra mais autónoma e decidida. Uma mulher romântica à procura do seu príncipe encantado.
D.Carolina - É a fidalga mais velha, tia de Manuela e madrinha de guerra de João Ratão.
Senhora culta que conhece a obra de Platão. Não parece interessada em casar-se apesar de ter pretendentes.
Mostra-se sempre educada e simpática para com os habitantes da aldeia, recebe na sua casa a “comissão “ para organizar a festa em honra de João Ratão.
Helena - Irmã de Manuela. Não tem papel de relevo neste filme, aparece mais como fazendo parte de um grupo feminino de fidalgas. Não existem fidalgos neste filme.
Mariette - Faz parte de um circo e compactua, por dinheiro, numa brincadeira para difamar e caluniar João Ratão, fazendo-se passar por uma Francesa. Acaba pedindo desculpas e confessando que também foi enganada por dois homens da aldeia.
Mãe Rosa - Mãe de João Ratão. Quando João Ratão é caluniado, consola o filho dizendo: - “Um homem não deve desanimar”.
Conclusão
João Ratão é um filme realizado em 1940 por Jorge Brum, esteve dez semanas em palco o que, segundo alguns atores, se deveu ao excelente elenco que compunha o filme.
É uma história que tem por base um drama amoroso, aparentemente simples e inocente, mas que contém símbolos claros e inequívocos da mensagem ideológica do Estado Novo.
O feminino e masculino estão muito bem divididos quer pela ocupação do espaço, homens essencialmente no exterior e mulheres em casa, quer pela natureza das suas ocupações.
Os aspetos relacionados com as mulheres do filme encontram-se sobretudo relacionados com o amor, saudade, tristeza, alegria, e devoção a Deus, não lhes sendo atribuídas ocupações profissionais, com exceção das mondadeiras, que aparecem cantando e dançando como seu trabalho não fosse muito pesado. Aos homens cabe as associações à pátria, ao herói, à bandeira nacional e às mulheres. Todos os homens que aparecem têm uma profissão e alguns cargos públicos. Os do povo têm um trabalho duro, o do corte de árvores.
É um filme moralista, com um final feliz. João Ratão salva a noiva de morrer afogada, confirmando a sua áurea de herói de guerra e o casamento de dois casais.
Bibliografia
http://www.amordeperdicao.pt/especiais_solo.asp?artigoid=204
http://www.dvdpt.com/j/joao_ratao.php
http://www.ribatejodigital.pt/ribatejodigital/PT/InformacoesUteis/Cinemas/cinema_bnv2.htm
http://www.rrz.uni-hamburg.de/clpic/tematicos/cinema/realizadores/canto_jorgebrumdo.html
http://www.tfm-online.de/tfm/htm/info.asp?id=10235
http://www.cinemanet.com.br/cinemaportugues.asp
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/cinema/datas3.html
http://www.amordeperdicao.pt/basedados_figuras.asp?pessoaid=542
http://www.dvdmania.co.pt/Conteudos/analisesf-detail.php?ID=52
Uma análise de: Ricardo Ribeiro
AFONSO, Guilherme – Breve História do cinema Português, Lisboa, Instituto Nacional do Cinema, 1981
COSTA, João Benard da. - Histórias do cinema, Lisboa, IN-CM, 1991
"O cinema sob o olhar de Salazar", coordenação de Luís Reis Torgal, Temas e Debates, Lisboa, 2001.
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