A Fé Pela Mão da Nossa Avó Materna




Foi pela mão da minha querida e amada avó materna que eu iniciei a minha vida espiritual. Foi com ela que aos domingos eu fui à missa, que às quartas feiras ia à igreja, para ajudar as mulheres a decorarem os altares com flores pequeninas e branquinhas e varrerem a igreja com serradura depois de terem afastado os compridos bancos de madeira. Nessas quartas feiras em que a igreja era só minha, podia familiarizar-me com as imagens que ao mesmo tempo que me atraiam, amedrontavam-me os dias e as noites. Sim, foi nessas quartas feiras que eu aprendi a tratar por tu os santos e as santas, sem esquecer o cristo na cruz, da igreja da minha terra natal, onde fui baptizada e onde fiz a primeira e única comunhão, embora estivesse preparada para a segunda, mas tive que vir para a cidade viver com os meus pais e a minha segunda comunhão ficou por se concretizar no papel ou na cerimónia que deveria ter tido lugar, para que verdadeiramente se consumasse.


Igreja de Ferragudo da Nossa Senhora da Conceição.

Igreja onde fui baptizada e onde fiz a primeira comunhão

Sim, não foi nos domingos onde a minha igreja se enchia de gente da terra que eu me familiarizei com as figuras que representavam para mim, criança, o sagrado e o temor do mesmo. Na verdade era o medo que imperava na minha relação com o sagrado, os santos e as santas assustavam-me, mais os santos do que as santas Os santos têm sempre sangue, salvaguardando, talvez o santo António com quem sempre simpatizei e acho que ele comigo, pois tinha uma flor e um menino ao colo…Esse medo de estar sozinha com todos aqueles santos e anjos com asas, no meio de tormentas no mar, ou nos altares, ainda hoje me acompanha. 

Só muito mais tarde percebi que a religião católica explorava através dos santos a nossa relação com o medo, que para mim estava ligado ao inferno e ao fogo do mesmo…, sim medo, de ir para o inferno, e ainda mais medo porque não sabia muito bem e ainda hoje não sei o que fazer concretamente para o evitar!...na verdade sentia que fazia e dizia tanta coisa mal dita e feita que seria inevitável acabar no inferno rodeada daqueles santos ensanguentados… 

A pergunta que faço é o que na verdade o medo tem a ver com o sagrado e com a minha avó? Nada mesmo!...eu adorava e adoro a recordação da minha avó, assim como o meu envolvimento interno e externo com o sagrado. Hoje eu sei que aqueles santos são de pau e acho que a minha avó também sabia, mas naquela altura eu imaginava que durante a noite, na igreja eles ganhavam vida e isso era assustador e pavoroso no meu imaginário de criança, ainda hoje consigo sentir o medo e o sentimento de desconforto…


No meu quarto havia duas camas, uma de uma pessoa e uma outra de duas, onde eu dormia, quase sempre com a minha avó, consigo visualizar a minha avó sentada na cama com a sua camisa de dormir branca a rezar e eu junto a ela já deitada, ouvindo as rezas e rezando com ela até adormecer, ainda consigo sentir o aconchego, o conforto, o carinho, a segurança, o cheiro da minha avó, o som do mar que tocava nas paredes da nossa casa e das gaivotas que sobrevoavam a casa, à procura de algum peixe desprevenido ou abandonado no cais pelos pescadores.


Sim, a fé da minha avó foi o padrão que me conduziu posteriormente à fé da minha mãe e hoje à fé do meu filho, sim, não tenho filhas a quem passar este património. Não sei o que isto significa na minha vida, mas a minha mãe foi a última mulher da minha família a gerar uma mulher. Sinto que há uma razão para isto, mas ainda não descobri qual…, o fim de um ciclo de passagem de património de memórias genéticas?

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